
O bairro do Cursino, na zona sul da cidade de São Paulo, conhecido por seus grandes terrenos, casas espaçosas e uma atmosfera mais residencial, passa por uma transformação muito impactante nos últimos anos, a crescente verticalização. O bairro, antes dominado por árvores e telhados baixos, agora começa a ver surgir torres de edifícios, marcando uma nova era para a região. A pergunta que fica no ar, entre moradores antigos, moradores novos e nas construtoras dos prédios é: como essa onda de verticalização está mudando o futuro da Cursino e em que tipo de bairro ela se transformará?
Durante muito tempo, a Cursino teve um ritmo de desenvolvimento mais lento em comparação a outras áreas da capital. Sua localização, mesmo sendo estratégica por oferecer acesso a importantes vias como a Rodovia dos Imigrantes e por abrigar o Zoológico e o Jardim Botânico, guardou um certo isolamento e uma identidade mais preservada. No entanto, como em outras partes da cidade, nos últimos anos, o interesse de empresas imobiliárias pela região tem crescido absurdamente. A busca por terrenos maiores e preços relativamente mais acessíveis em comparação com outros bairros, juntamente à crescente demanda por moradia em São Paulo, aumentou o surgimento de novos empreendimentos na região.
Thereza Alves, moradora do bairro há quase 60 anos afirma ter notado muitas diferenças desde que chegou na região.
“Eu cheguei no bairro em 1967 com meu marido. Meu filho mais velho tinha dois anos e minha filha do meio tinha sete meses. A rua não tinha asfalto e as casas tinham fossas e poços de água. A região não tinha nenhuma árvore, pois desmataram todas para construir as casas. Eu que plantei as árvores da minha rua. Não tinha trânsito, inclusive, tinha carroça puxada a burro. Em uma delas eu comprava peixe, passava na porta de casa. As ruas eram tortas e esburacadas.”
A verticalização traz uma série de consequências, tanto positivas como negativas, para o futuro da Cursino. Por um lado, a chegada de novos moradores pode ajudar o comércio local, atrair mais investimentos em infraestrutura e serviços e mudar o perfil econômico do bairro. Novos edifícios, muitas vezes tendo áreas de lazer completas, podem oferecer opções de moradia mais modernas e atrativas para diferentes faixas de idade e estilos de vida. De acordo com os números do Secovi, o bairro da Cursino é o lugar em que mais foram comercializados imóveis nos últimos 12 meses. O aumento de pessoas na região também pode promover a expansão de linhas de transporte público e a melhoria de equipamentos urbanos, como escolas e postos de saúde.
“A segurança do bairro despencou. Eram pessoas simples morando por aqui, agora é muito perigoso viver nesse bairro. A segurança pública é pequena, está tendo muitos assaltos. Meus filhos jogavam bola nas ruas o dia inteiro e hoje em dia não vemos mais nenhuma brincando por aqui.”
Por outro lado, o aumento da densidade demográfica pode sobrecarregar a infraestrutura local, gerando problemas como trânsito intenso, maior demanda por água e energia, o potencial aumento da criminalidade, pressão sobre os serviços públicos e a sombra projetada pelas novas construções são algumas questões levantadas pela comunidade. O distrito teve aumento de 4% no volume de imóveis vendidos na comparação entre o primeiro quadrimestre de 2024 e o mesmo período do ano anterior. A perda da identidade visual do bairro, com a substituição de casas por edifícios altos, também é uma preocupação para alguns moradores que valorizam um bairro mais tranquilo.
Thereza também falou sobre os problemas que a verticalização está trazendo para o bairro.
“Mudou para pior, pois aumentou muito o trânsito, e ainda tem o problema dos esgotos, com muita utilização de água e descarga das casas, os canos não suportam. Uma das explicações para essa verticalização que as construtoras estão dando é sobre os prédios ficarem próximos às estações de metrô, mas não faz sentido ter tantos prédios pelo fato de ter metro perto. As pessoas mais simples deveriam morar mais perto do metrô para ir ao trabalho, os prédios que estão sendo construídos perto das estações e os preços são muito elevados, sendo os ricos morando perto do metrô e os pobres tendo que se mudar para muito longe.”
A proximidade com as estações Santos-Imigrantes e Alto do Ipiranga, da linha 2 do metrô, e os carregados eixos de transporte, como a própria avenida do Cursino, a também comprida rua Vergueiro e a rua Santa Cruz são os grandes indutores do movimento.
O futuro da Cursino vai depender de como esse processo de verticalização será gerenciado. Um planejamento urbano eficiente, que leve em consideração a capacidade da infraestrutura, a preservação de áreas verdes e a qualidade de vida dos moradores, é fundamental para garantir um desenvolvimento sustentável e equilibrado. A participação ativa da comunidade nas discussões sobre o futuro do bairro também é muito importante para que a transformação atenda às necessidades e expectativas de seus moradores.
“Vejo muita diferença na relação social do bairro, com a construção dos prédios nós perdemos os amigos e os antigos moradores, conhecíamos todos os vizinhos por aqui.”
A Cursino se encontra em uma encruzilhada. A verticalização é um caminho sem volta, então nesse momento a atenção é maior para a forma como ela vai terminar, se o bairro se tornará um polo urbano e bem estruturado ou se vai perder para os desafios de um crescimento desordenado. O olhar atento de urbanistas, gestores públicos e, principalmente, dos moradores, será muito importante para moldar um futuro em que a Cursino possa preservar sua essência. A paisagem do bairro está mudando, e com ela, a futura identidade da Cursino está em construção.
Thereza, concluiu dizendo que o os prédios influenciam negativamente nos fenômenos naturais e visualmente também.
“A poluição aumentou muito, ventilação diminuiu pelo tamanho dos prédios e quase não tem mais sol no bairro. Um prédio tampa o outro, você não tem mais vista dos apartamentos.”