Isabela Gonçalves
Era tudo concreto. Não tinha piso, apenas metade de azulejos vermelhos na parede e uma pia. Mas aqueles olhos puxados enxergaram naquele pequeno espaço uma oportunidade de crescer junto ao seu trabalho. Era início dos anos 70. Massami Ohe veio da roça. O centro movimentado de São Paulo não a amedrontou. Aqueles mesmos olhos puxados se encantaram com os 1.521km² resumidos ao limite de sua pupila do alto do Edifício Copan.
É o lugar onde os 469 anos de histórias se encontram em nossos olhos. Onde as outras construções de São Paulo parecem casinhas e apenas ele encosta o céu. É o lugar que divide o céu e a terra por 32 andares e 115 metros. Suas linhas curvas desenham a bandeira da cidade de São Paulo. São livres e sensuais. Destacam-se em meio às linhas e aos ângulos retos dos prédios tradicionais. “Na época foi uma ousadia”, observou a dona daqueles olhos puxados quando chegou com seus 20 anos de idade ao Copan.
Arquitetura moderna. Ela está à frente do seu tempo. Fortaleceu-se no século XX. O Edifício Copan simboliza a chegada da arquitetura modernista ao Brasil. Sua projeção geométrica esbanja leveza e organização. Junta-se à rua como se suas curvas fossem a continuação dos caminhos da calçada. Liberdade. Libertação das ideias presas aos padrões norte-americanos e europeus. O Copan representa a liberdade. O início da valorização de nossas culturas. Toda sua beleza e inovação agora são cobertas por um extenso pano azul. Mas, para aqueles olhos puxados, nunca deixará de ser o Copan que conheceu há 50 anos: “Mil maravilhas”.
Mas o primeiro capítulo dessa história foi escrito há mais de 70 anos atrás. A cidade de São Paulo se preparava para festejar seu quarto centenário de aniversário. A obra do Copan foi encomendada como presente. Arquitetada por Oscar Niemeyer. Projetada pelo engenheiro Joaquim Cardozo. Executada com a ajuda de Carlos Lemos. O edifício que viria a se tornar a maior estrutura de concreto do país começara a sair do papel.
Década de 50, São Paulo, Brasil. A maior capital do país se encontrava em constante expansão. As fronteiras já não eram mais suficientes para segurar o avanço da industrialização que tomou conta da cidade. As limitações territoriais ficaram pequenas para o que estava por vir. A população concentrou-se no centro da capital e obrigou a construção de estruturas maiores verticalmente. A construção do Copan é o espelho da verticalização na região central de São Paulo.
Perdeu a fama de ser o lar da prostituição no centro de São Paulo. Era boate lá. Era boate cá. “Elas iam e voltavam, iam e voltavam, o dia inteiro”, Massami relembra. A agitação da noite aos arredores do Copan assemelhava-se à correria do dia. O que diferenciava era o objetivo. Os trabalhadores de dia corriam atrás de seu sustento, e os solteiros à noite buscavam diversão. Mas eles se encontravam. Seus caminhos diferentes se cruzavam quando o fim da noitada se via cara a cara com o começo de mais um dia de trabalho.
Já dizia Bauman. A modernidade é líquida. O Copan é líquido, está em constante mudança. Projetado para se tornar um centro urbanístico, cedeu às tentações dos mercados imobiliário e turístico, que estavam em ascensão na época. Suas curvas formam seus labirintos internos, que já foram enfeitados desde cinema à fábrica de chocolate.
Não estava planejado ganhar a vida com tesouras e escovas. Mas estava escrito no destino que assim seria a vida de Massami. Havia largado a escola na cidade grande para voltar à roça. Não gostava de estudar. Mas seu caminho em direção ao Copan já começara a ser traçado. A proposta era trabalhar como babá em troca do financiamento de um curso profissional. Era o mais barato. Massami iniciou o curso de cabeleireira. Era para ser assim. O Copan abrigou os sonhos daqueles olhos puxados. E é assim há 50 anos.
É residencial, é aluguel, é comercial. É o Edifício Copan. Ele está no coração da cidade de São Paulo. E, assim como coração de mãe, sempre cabe mais um. Ou mais uma função, porque a modernidade é líquida. O Copan é líquido.
Mas é lá, na Avenida Ipiranga, número 200. Onde o céu encontra a cidade. Onde você não sabe se, lá no fundo, enxerga nuvem, neblina ou a linha que põe fim à capital. O lugar que acolheu a história, que apenas começou quando tudo aquilo que era pilares de concreto, sem piso, metade de azulejos vermelhos e uma pia, foi visto como um recomeço por aqueles inesquecíveis olhos puxados.