Por Fernanda Rossini, Maisa Blas, Marcela Aguiar e Mariana Bello
O barulho das obras do metrô e da avenida movimentada se misturam ao ruído da rodinha em atrito com o concreto, incessante, na pista de skate da Freguesia do Ó. O bowl colorido recebe skatistas de toda cidade, desde agosto de 2011, quando foi construída pela união dos moradores, na Praça Flávio Rangel. Desde então, a pista se tornou um ponto de encontro para skatistas locais e para comunidade jovem da cidade. “A pista de skate trouxe vida para o lugar, trouxe bastante divertimento para o bairro”, disse Marcos Dias, 25, lutador, atuante no ramo de head shop (loja de artigos de fumo) e skatista.
A pista da Freguesia do Ó foi construída como uma alternativa para os skatistas do bairro, que queriam uma área de esporte e lazer de fácil acesso. Então, eles mesmos se juntaram e transformaram uma quadra, pouco utilizada, numa pista, que se tornou um importante ponto de encontro para a comunidade do skate de São Paulo.
Lá na “Frega”, como o local é apelidado por quem frequenta, também acontecem batalhas de rap, festas de fim de ano, churrascos e campeonatos que deixam o esporte vivo e une a comunidade. “A galera vai lá para resenhar, depois do trabalho, vejo muito os caras de aplicativo de entregas que também vão lá, é um ponto de descanso da rotina”, relata Larissa Uema, 24, bióloga, que começou a andar de skate na pista durante a pandemia.
Nos finais de semana, a pista se torna uma opção de lazer para quem mora lá, “A pista de skate é ótima para os jovens que querem descontrair, estar junto com os amigos. Sempre vejo famílias lá também.”, afirma João Batista, 50, funcionário de uma lanchonete local, que mora na Freguesia há 32 anos. Segundo o morador, que já compareceu ao local para prestigiar os skatistas nos campeonatos, os eventos unem skatistas de todos os lugares e muitas pessoas vão homenagear os profissionais no skate. Além de atrair competidores de alto nível, esses campeonatos servem de incentivo para os jovens que estão começando agora e pensam em seguir essa profissão.
Um esporte para todos
Apesar da forte comunidade jovem que cuida e frequenta o local, há também a presença de skatistas de várias faixas etárias. “Às vezes, você vai de domingo na pista e tem uma criança de 8 anos andando e um cara de 50, por exemplo, e isso gera uma interação entre eles”, diz Murilo Romão, 33, produtor audiovisual e skatista profissional. A pista de skate conta com crianças, os “old school” que andam desde os anos 1980 e 1990, e até mesmo amadores, como a massoterapeuta, Jurema Sellan, 54, que anda de skate desde 2019, quando tinha 50 anos. Ela começou na pista fazendo aulas e relata: “é uma pista do coração, porque eu iniciei lá, ando lá até hoje”.
O “pico” de skate tornou-se um verdadeiro ponto de encontro para entusiastas do esporte e tem contribuído significativamente para o aumento do movimento de pessoas no bairro. Essa movimentação tem trazido diversos benefícios para a região, como, por exemplo, impulsionar o comércio local. Matheus Luiz da Silva, de 26 anos, trabalha em uma farmácia perto da pista e afirma que muitos frequentadores passam no seu local de trabalho quando se machucam para comprar um curativo e até mesmo em busca de algo para se hidratar.
“Têm pessoas de outros lugares, de bairros bem distantes. Vem de tudo quanto é canto da cidade de São Paulo” relata Jurema, que vai do Parque São Domingos para andar na pista, assim como Larissa que mora em Pirituba, sendo ambos bairros próximos à Freguesia do Ó. “Tem pessoas que vão com o próprio skate “remando”, outras de transporte público. Mas também tinha um movimento de pessoas que vinham de lugares bem mais afastados só pra conhecer a pista”, conta o lutador Marcos.
A expansão do metrô de São Paulo é vista como algo muito importante para a capital, porém, alguns skatistas alegam que essa medida chegou a ser uma ameaça ao local de lazer. Isso porque uma das obras prevê a construção da estação “Freguesia do Ó” bem na frente da pista de skate. “A pista foi ameaçada uma época por causa do metrô que estão fazendo ali, mas eu acho que agora não vão destruir. Até rolou um boato que iam fazer isso, porém parece que não vai precisar, por enquanto.”, afirma Murilo. Como a construção não afetou a pista, os skatistas a veem como algo positivo para o local: “a gente vai ter muito mais pessoas de fora e o metrô vai ajudar”, diz Augusto Siri, 32, vendedor, produtor audiovisual e skatista profissional.
Siri, foi um dos que participaram da construção do local. Há anos a comunidade lutava por uma pista, e depois de muito esforço, conseguiram criar a Skate Freguesia. O skatista afirma que o lugar foi muito importante para a comunidade: “a pista trouxe muitos frutos, teve muita gente talentosa que saiu ali da pista e hoje está em vários países”.
O skate além das pistas
A maioria dos skatistas que andam na pista da Freguesia utilizam suas redes sociais para divulgar o local e incentivar outras pessoas a andar de skate. Segundo alguns deles, publicar a jornada na internet é uma das formas de abrir portas e ajudar com a diversidade no esporte. Augusto Siri e Murilo Romão, que frequentam a pista desde a origem, desenvolveram os projetos “Interferência Destrutiva” e “Deslocamento Progressivo”. “A gente montou esse projeto pra poder dar visibilidade para as pessoas”, relata Siri. O skatista também contou que os projetos geraram patrocínios para quatro atletas que, inclusive, viajaram para outros países por conta da prática do esporte.
“O skate atualmente está introduzido na sociedade como uma ferramenta de expressão. Tem muita gente que anda de skate por hobby e muita gente que anda para competir também, mas o skate transforma a vida das pessoas, principalmente, na comunidade.”, diz Marcos. Ao longo dos anos, esta atividade incentivou a criatividade e a expressão artística, já que muitos skatistas utilizam a pista como uma espécie de tela em branco, criando novas manobras e movimentos inusitados para a comunidade do skate, além da forte influência da produção audiovisual na modalidade, que inspira muitos dos atletas a trabalharem com isso também.
O perfil de quem frequenta o Skate Freguesia é majoritariamente masculino. A massoterapeuta Jurema explica que, por mais que tenha aumentado o público feminino, ainda assim, o esporte tem mais homens e isso se deve a alguns fatores, como vergonha, medo de ser discriminada e de andar sozinha. Ela mesma já sofreu preconceito, na própria pista da Freguesia. Um homem a impediu de andar lá, e quando ela reclamou, eles discutiram. “Ele só fez isso porque era uma mulher”. Muitas pessoas com mais de 50 anos também usam a pista, seja para andar de skate ou caminhar. A frequentadora diz não saber se eles já sofreram preconceito, mas diz imaginar que sim: “provavelmente sim, porque existe essa questão e não só na área do skate: estipulou-se que até determinada idade você pode fazer as coisas e depois dela não”.
Ainda assim, para a comunidade da Freguesia do Ó, a pista representa uma oportunidade de lazer e esporte importante. Muitas crianças começam a andar de skate lá e os skatistas comentam que lá é um lugar onde as pessoas podem ir não só andar de skate, mas se divertir e socializar.
O descaso da prefeitura
Frequentada por moradores, skatistas e pessoas que se deslocam de seus bairros de origem para andar de skate nela, a pista da Freguesia sofre um abandono por parte das autoridades, e isso é consenso entre as pessoas que a visitam. O local demorou 11 anos para ganhar um “bebedouro”, que é, basicamente, uma pia de concreto com dois canos. Por isso, a comunidade do skate exerce o papel de manter a pista, por meio de melhorias feitas com suas próprias mãos, como a construção de rampas, plantio de árvores frutíferas, limpeza e pintura. “A gente que compra ferro e cimento para passar na borda, arruma, pinta. Nada foi da prefeitura ali”. Os que andam de skate e os moradores da região cobram medidas mais efetivas dos órgãos responsáveis. Eles defendem que a pista de skate é um importante espaço de lazer e prática esportiva para os jovens da região e que a manutenção adequada é fundamental para garantir a segurança e o bem-estar de todos.
O movimento na pista de skate tem aumentado significativamente nos últimos tempos, o que tem causado preocupação com relação à segurança e à estrutura da pista. O atleta Murilo comenta como essa falta de investimento por parte das autoridades aumenta as queixas vindas da comunidade “O governo deveria fazer manutenções ali no local, mas na maioria das vezes quem acaba fazendo isso é quem anda ali mesmo, os frequentadores. Porém as maiores preocupações são com acidentes mesmo, não só de ter buracos pela pista, mas pelo entorno mesmo”.
Segundo o vendedor Augusto, os próprios skatistas do bairro cuidam do lugar, do jeito que podem, e gostaria da ajuda da prefeitura: “queria que mudasse muita coisa ali pra geração nova que tá vindo agora, porque nosso Brasil tem muito futuro, mas tá escondido né”. Um dos problemas que eles enfrentam é o alagamento da pista, por não haver um ralo e consequentemente um sistema de escoamento de água. “Às vezes a gente fica tipo dois, três dias sem andar de skate por conta do alagamento”, conta Augusto. Além disso, ele fala que seria interessante aproveitar todo o espaço do local, pois é uma área aberta que poderia ser utilizada para outras coisas além do esporte em si, como quadras de esporte e parquinhos, já que o mais próximo fica a 350 metros.
Os skatistas frequentadores da pista, consentem que o governo “não só pode, como deve” ajudar na manutenção do local, mas não fazem porque, no momento, não chama a atenção deles. Cuidar da pista é uma forma de incentivar o skate e tirar crianças e adolescentes de situações difíceis. Para Jurema, “o skate salva”. Murilo Romão, diz: “às vezes a prefeitura quer fazer coisas muito grandiosas para gastar uma grana maior e geralmente são dos reparos pequenos que precisamos. Aí, nesse caso, é o povo que se junta e faz”.
Mario Maeda, diretor do Departamento de Gestão do Esporte de Alto Rendimento (DGEA) da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (Seme), lembra que “a partir do momento que alguém quer cuidar de uma área pública, tem que ter um contrato em cima disso, e com as especificações que a lei permite, e é burocrático”.
Sem o incentivo do governo para a manutenção da pista, a comunidade do skate busca outras alternativas para conseguir melhorias. Augusto, se juntou com os seus amigos para gravarem um vídeo da pista, mostrando a situação e o que precisa melhorar e enviaram para o “SPTV”. De acordo com relatos de skatistas da região, a pista está em más condições, com rachaduras que representam risco de acidentes. Augusto denuncia: “A pista tem quase 12 anos e não passou por nenhuma reforma, a gente só foi tirando as coisas. Antes ela tinha grade na lateral, hoje não tem mais, por conta de vândalos que quebraram.” Em julho de 2022, a rede Globo chegou a gravar uma reportagem mostrando as queixas dos frequentadores do local e, segundo Larissa, “só agora mais recentemente que houve a reforma. Botaram poste e água, mas demorou tanto! Precisou uma emissora grande ir lá para eles fazerem isso”.
A baixa iluminação e a falta de zelo por parte das autoridades também gerou problemas de segurança. Os obstáculos de ferro da pista começaram a sumir, “no ano passado começou a ter roubo de obstáculos, a parte de ferro, pra vender”, relata Jurema, “os caçadores de ferro por aí, se eles virem um ferro solto eles vão pegar”, acrescenta Augusto. Além dos relatos de furto no perímetro, Larissa conta que uma vez ocorreu um assalto na farmácia da região, a mesma onde Matheus trabalha, e o criminoso fugiu pela pista. No local, surgiu a presença de usuários e vendedores de droga também, e isso diminui a segurança do local, que fica a 1,5 km do 28º Distrito Policial. Mesmo assim os próprios moradores tiveram que se juntar para expulsá-los do local, como uma tentativa de resolver o problema.
A pista representa não apenas um local para a prática do skate, mas também um espaço de lazer e convivência com a comunidade. Também é um exemplo de como a mobilização e o apoio da comunidade de pessoas que moram no bairro podem resultar na construção de áreas de entretenimento.
O diretor Mario Maeda comenta que é muito importante o governo promover eventos esportivos, principalmente nas áreas periféricas, que são as mais afetadas pela falta de parques e outras áreas de lazer. Com a ausência desses locais, o público jovem é o mais prejudicado: “O esporte está diretamente ligado ao desenvolvimento da criança e do jovem e é uma ferramenta de apoio da educação”. Mario também ressalta a importância de preservar esses locais. Porque o que acontece é que os governantes fazem reformas, mas, sem a manutenção constante, a área volta a se deteriorar.
Para atender os bairros periféricos, a Seme organiza o Circuito Popular de Corridas de Rua, com ingresso gratuito. A secretaria também promove as “Ruas de Lazer”, que são ruas fechadas, para aumentar e incentivar a prática de atividades e exercícios físicos, de acordo com o que é cultural de cada região.
Em 2022, o ex-deputado federal Alexandre Frota (Solidariedade) apresentou um projeto de lei que reconhece o skate como esporte e o insere nas modalidades esportivas a serem praticadas em parques, clubes e escolas. Ele chama a Confederação Brasileira de Skate para participar e regulamentar a lei. No momento, o projeto está na fase de tramitação.
Esse não é o único projeto de lei que visa o skate como esporte legítimo e tira-o da marginalização. Em 2021, o deputado estadual Dirceu Dalben (PL) criou o “SKAT´inho”, que visava construir no estado de São Paulo pistas ou rampas para as modalidades de skate street, skate park, skate bowl e outras, para atender melhor a prática esportiva. O Governo do Estado poderá fazer convênios com prefeituras e empresas privadas para a execução das pistas. O projeto também dá aval ao poder público para oferecer equipamentos de segurança e conceder bolsa ou auxílio aos participantes. Atualmente, o projeto está em trâmite.
Por enquanto, para a região, a boa notícia, de acordo com o Estadão, é de que o Centro Educacional Unificado (CEU) da Freguesia do Ó, que fica a 3 km da pista da Freguesia, ganhará uma pista de skate ainda no primeiro semestre de 2023. Outras 20 unidades já possuem atividades relacionadas a esse esporte, em uma parceria com a ONG Skate Solidário.