Localizado no extremo sul de São Paulo, o distrito do Grajaú é o maior da cidade em termos de população. Com meio milhão de habitantes, a região também detém o título de periferia mais populosa da capital. Ainda assim, mesmo sendo batizado por jornais e sites de notícias como “o pior local para se viver”, alunos do ensino médio e fundamental da escola Estadual Professora Adelaide Rosa Fernandes Machado de Souza mantêm um jornal escolar que ultrapassa o universo educacional e chega para os moradores como fonte de boas notícias.
A Escola de Tempo Integral está em um ponto chave da região, na avenida Dona Belmira Marin, a principal via do Grajaú, responsável pelo acesso aos principais bairros. A localização fácil, atrai adolescentes de diversas partes do distrito.
Repórter desde o Ensino Médio
A história da ETI Adelaide Rosa se mistura com a desta repórter, desde o primeiro ano do ensino médio, em 2019. Era um lugar espirituoso, sendo um teste do governo do estado de São Paulo para a implementação do ensino integral. Nessa nova empreitada, os alunos da rede tinham disciplinas fora da grade padrão e uma delas era, a hoje famosa pelos colégios do país “projeto de vida”. Nessa nova matéria, o corpo docente ficava a par do que todos os alunos “queriam ser quando crescessem”. A partir daí, eles nos ajudavam a trilhar o caminho até alcançarmos nossos objetivos. O meu, era ser jornalista.
No ano de 2020, assim como no resto do mundo, a quarentena atingiu a Adelaide Rosa. Nesse período, a escola que era, até então, restrita ao ensino médio, passou a receber matrículas de alunos do ensino fundamental II, que vai do sexto ao nono ano. A “geração pandemia” não chegou a conhecer o antigo funcionamento da escola, e os veteranos se viram perdidos com as mudanças que a pandemia do Covid-19 trouxe.
No maior momento de tensão da história recente do país, o professor de geografia, Mário Barros, de 36 anos, começou a pensar em como transmitir para os novos discentes o antigo espírito da escola. Em 2021, a ideia de trazer boas novas se tornou ainda mais clara. Além das várias perdas de familiares e amigos para o coronavírus, a escola sofreu com a perda de uma das alunas, que cometeu suicídio. Na volta às aulas, os corredores da Adelaide Rosa estavam repletos de alunos assustados, tristes, de luto e professores que não sabiam o que fazer com a situação.
No segundo semestre daquele ano, o professor Mário, sabendo que havia uma aluna que queria ser jornalista, me chamou para criar um jornal da escola. A ideia naquele momento era relembrar os antigos projetos de anos passados, trazer de volta alguns episódios marcantes da história da Adelaide e ser fonte de entretenimento e esperança para os estudantes. O professor já tinha participado de publicações de jornais em outras escolas e, para ele, faltava isso no ensino integral: “Eu via que, antes, a Adelaide Rosa era um lugar com diversidade de projetos. Eu pensei: ‘por que não valorizar?’” – comentou Mário, em entrevista.
O jornal foi batizado de “Folha do ADÊ”, fazendo analogia à Folha de S. Paulo e ao apelido carinhoso da escola. Na primeira edição, toda a trajetória da Adelaide Rosa foi reapresentada e exposta nas paredes do local, o que chamou a atenção de alunos, professores e pais.
A princípio, o projeto era composto por uma só pessoa, mas chegou a contar com mais de 30 alunos de diferentes faixas etárias e ultrapassou os limites da escola nas edições seguintes. Com o jornal, nasceu a conta no Instagram e coberturas de eventos internos e externos. O Folha do ADÊ passou a não só tratar de assuntos da escola, mas também compartilhar curiosidades e acontecimentos da região, o que trouxe uma visibilidade ainda maior para a iniciativa. “Eu não pensei que fosse dar essa repercussão toda”, destacou Mário.
Após minha formatura, em 2022, o projeto deu sequência sob liderança da aluna Myrla Figueiredo, de 18 anos, em conjunto com Ingrid Brito, hoje com 15 anos, aluna do nono ano. Dado o tamanho do reconhecimento, o Folha do ADÊ se tornou a imprensa escolar oficial da Diretoria de Ensino Região Sul 3 e ficou responsável pela cobertura e divulgação de eventos promovidos pelo órgão. O jornal está hoje na sua sétima edição, conta com mais de 700 seguidores no Instagram e tem cerca de 15 participantes. A publicação também foi tema de uma matéria na revista Porvir, participou da série “Idade da Mídia”, da Globoplay e foi mencionada no podcast Rádio Escafandro, do jornalista Tomás Chiaverini. “Eu espero que ‘o Folha’ nunca acabe, porque tomou uma proporção muito grande e eu vejo que é um projeto que faz bem para a escola também. Eu ficaria triste se acabasse” – afirmou Ingrid, atual líder da imprensa jovem.
A imprensa independente no Grajaú
Há alguns anos, o jornalismo independente vem ganhando forças no Grajaú. O “Grajaú Tem”, uma das publicações locais mais conhecidas da região, conta com 384 mil seguidores no Facebook e quase 70 mil no Instagram. O destaque também é válido para a Revista Grajaú, que conta com seu próprio portal e acumula pouco mais de 1.300 seguidores.
Para Renan Sukevicius, de 30 anos, grajauense, apresentador do BandNews São Paulo Segunda Edição e autor do livro “Quase Verão”, o que pode explicar o fenômeno da “imprensa glocal” na região é o fato da cidade estar superpopulosa e o jornalismo tradicional não conseguir abranger todos os locais: “É desafiador fazer jornalismo local numa cidade como São Paulo, com mais de 12 milhões de habitantes, números de um país, com distritos que têm o tamanho de cidades médias. Muitos assuntos importantes acabam ficando de fora. É compreensível que as pessoas queiram saber o que está acontecendo agora na sua própria rua ou na rua principal do bairro, e não na principal e mais movimentada via da cidade”, indica Renan.
Para o jornalista, outras narrativas permitem que territórios periféricos tratem de outros temas que não só a violência urbana, pela qual as periferias são majoritariamente retratadas na imprensa. “Num olhar de fora, historicamente, é como se as regiões mais centralizadas fossem mais diversas e tivessem mais complexidades a serem exploradas e, à periferia, cabem os casos de crimes ou de fatos extremamente excepcionais. Quem vive na periferia sabe que não. E talvez o jornalismo hiperlocal, olhando tudo mais de perto, reforce esse olhar diverso”.