Privatização e alteração de local da Ceagesp desagradam comerciantes

Fim da unidade Ceagesp na Vila Leopoldina retorna como pauta no governo atual, afetando a vida dos trabalhadores dessa companhia

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Trabalhador carregando caminhão de batatas

Por Mayra Oliveira, Luiza Paniagua, Ana Luiza Guerbali, Vinicius Robassini e Julia Guaraldi  

Com a entrada da nova presidência ao poder, a discussão sobre a saída da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) do Programa Nacional de Desestatização (PND) voltou ao debate. Localizado na Vila Leopoldina, o estabelecimento segue em acordo político desde 2018 a respeito de sua mudança de localização para o bairro Perus, devido à falta de reformas e à defasagem da estrutura atual, fato que preocupa os comerciantes.

No dia 4 de outubro de 2019, a Presidência da República e o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República (PPI) assinaram o decreto Nº 10.045, que confirma a entrada do Ceagesp no PND e sua qualificação para o Programa de Parcerias. De acordo com esse decreto, decidido pelo governo federal, o Entreposto deixa de ser uma empresa pública e passa a ser gerenciada pelas mãos da iniciativa privada, como o que aconteceu com a Entidade Nacional de Eletricidade (ENEL). Por meio dessa decisão do governo federal, a proposta feita por João Doria, o ex-prefeito da cidade de São Paulo, no dia 21 de fevereiro de 2018, sobre a desativação da unidade da Ceagesp na Vila Leopoldina e sua mudança de local, retornou ao debate federal. Segundo Rodrigo Ribeiro, 26 anos, comerciante, a conversa de que o Ceagesp mudará de local já é história antiga, mas quando veio à tona entre os trabalhadores, gerou desaprovação entre eles. “Ano passado essa conversa estava bem forte aqui dentro. Tivemos uma reunião com o sindicato e foi barrado. Não tem como transferir isso”, comenta o vendedor.

Em 2023, com a mudança da Presidência, dos Ministérios e do novo ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Paulo Teixeira, a entrada da Ceagesp no PND passou a ser analisada novamente. Para Natan Camargo, 33 anos, funcionário de uma das lojas, o Ceagesp é superior às centrais de abastecimento do país, popularmente denominadas como Ceasas. Segundo ele, o poder de compra do local é muito significante, tanto para os vendedores, quanto para a população que compra os alimentos naquele local. Compreendida como uma empresa lucrativa e muito importante para a comercialização da agricultura nacional, especialmente por ser um posto de estabelecimento essencial na região paulistana, o ministro defendeu a retirada da Ceagesp desse programa de gerenciamento estatal. Contudo, Fernando Haddad, ministro da Fazenda e Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, seguem em acordo atual com a decisão de 2019, considerando necessária a entrada da Ceagesp no PND.

Apesar de todo o debate quanto à permanência ou a saída da Ceagesp deste programa, a mudança de sua localização é defendida tanto para aqueles a favor da privatização quanto para aqueles que são contra o programa. O dono de uma das lojas da Ceagesp, que pediu para não ser identificado, aponta que a privatização do local traria melhores benefícios à manutenção e ao gerenciamento. Entretanto, mantê-lo público tem como uma das barreiras o alto investimento que precisará ser empregado nas reformas, no qual não há condições governamentais financeiras atuais de exercê-lo. Junto a isso, o comerciante afirma que outro problema relacionado aos comerciantes é o alto custo para a mudança de localização de suas vendas, o que virá a acontecer, se fecharem a unidade da Vila Leopoldina. O proprietário comenta ainda que não depender do governo federal com licitações e longas esperas de melhorias na estrutura do estabelecimento seria um cenário melhor do que o atual. Segundo o projeto em pauta, a Ceagesp, atualmente localizada na zona oeste da capital paulista, na região da Vila Leopoldina, será transferida para a região de Perus, que foi comprada para este fim. Entretanto, a nova localização está ainda em discussão entre o presidente Lula e o governador de São Paulo.

Em 26 de outubro de 2019, no governo anterior, em sua página do Facebook, o Jornal O Peruense fez a seguinte publicação: “O local foi escolhido estrategicamente para atender toda a logística que necessita para o tamanho do empreendimento, a área total do CEAGESP contemplará uma grande área construída desde à Vila Caiuba na parte de trás do CDHU, no antigo terreno da Cia Melhoramentos e celulose, localizado na divisa entre o município de Caieiras e o bairro de Perus em São Paulo capital, chegando até a rodovia dos Bandeirantes, mais de 4 milhões de metros quadrados de área disponível”. Os comentários populares divergem sobre a realocação do Entreposto anunciada, que segue com a discussão em andamento.

Enquanto este embate dá sequência, a comunidade envolvida diretamente com essa alteração de local, os comerciantes e seus funcionários, continua sendo excluída dessa questão, independentemente de sua opinião sobre a transferência do seu lugar de trabalho. “O trajeto de todo mundo mudaria. Todos que trabalham aqui são antigos e moram aqui por perto, a maioria”, diz Natan. Muitos comerciantes que trabalham na Ceagesp da Vila Leopoldina há anos estão fora do debate sobre o futuro da Companhia, na espera de uma decisão política e dos próximos capítulos desta novela.

A história dos comerciantes e funcionários das lojas alimentícias com a Ceagesp é antiga, sendo alguns com mais de 50 anos de trabalho. Cleiton Cristiano dos Santos, 40 anos, vendedor, trabalha na Ceagesp há 20 anos, local onde aprendeu seu ofício: “Meu irmão trabalhava de embalador, e aí precisavam de alguém de confiança para trabalhar e me colocaram. Hoje trabalho na empresa como vendedor”, conta Cleiton. Quando perguntado sobre essas discussões e mudanças da Companhia, ele retoma: “estão querendo mudar essa parte aqui já tem 20 anos. Há 20 anos trabalho na empresa e escuto que o Ceagesp vai sair daqui. Acredito que não saia, mas o acesso aqui é muito bom. Quer ir para a marginal, rodoanel? Tudo é fácil. Dependendo do lugar que for, e o transporte público? Como vai ficar? Tem trem, tem tudo aqui perto”. A facilidade da chegada dos transportes públicos e veículos de carga que abastecem o entreposto é comentado pelos demais comerciantes, sendo estes pontos importantes de acesso e mobilidade presentes na Vila Leopoldina, em seu local atual.

Além da questão trabalhista, o Ceagesp também significa afeto para o vendedor. “Para mim, aqui é uma segunda casa. Querendo ou não a gente fica o dia inteiro aqui. Chegamos às 7h e saímos às 18h. Então passo mais tempo aqui do que com minha própria família. Aqui, para nós, é tipo uma família”, relata Cleiton.  A Companhia não é, apenas para Cleiton, um lugar familiar, mas também para Lewis de Assis Ferreira, 66 anos. “Conheço o Ceagesp desde criança porque meu avô era batateiro. E hoje eu sou batateiro também”, afirma ele.

Mailde Wada, 45 anos, revendedora relata que não existem apenas flores, como alguns problemas: “O Ceagesp é uma mãe. Mas poderia ser mais organizado. Por exemplo, ter lugares para os carrinhos, porque é perigoso, acaba atropelando as pessoas. A questão do trajeto, separar e organizar”.

A relação entre os comerciantes é forte, com muitos se conhecendo no local e passando a vendedores por intermédio de outros vendedores. Como afirma José Linaldo, 35 anos, também vendedor: “conheci o Ceagesp há 15 anos por um primo meu que fazia frete aqui dentro. Eu comecei trabalhando como carregador, aí passei para conferente e agora sou vendedor”. José ainda traz que o entreposto se tornou um centro cultural da Vila Leopoldina, além de ser de ótima localização, o maior da América Latina e ainda tem como benefício sua proximidade com a Baixada Santista. “Se ele mudar, fica mais difícil a locomoção para São Paulo todo”.

Outra visão sobre essa mudança de local é apresentada por Rodrigo. O pai de Rodrigo trabalhou 30 anos no Ceasa, comprando um box na Ceagesp em 2006, como ele conta. A Companhia faz parte de sua vida desde pequeno e representa uma empresa familiar, mesmo que ele passasse a trabalhar de fato somente em 2021. Quando perguntado sobre os debates a respeito da mudança delocalização, o vendedor afirma que é um assunto antigo e que acredita que provavelmente não irá acontecer. Entretanto, caso mude, haverá um impacto gigante nos comerciantes. “Diariamente, o movimento é grande demais. Para a economia é muito importante”, afirma Rodrigo. Assim como para José Linaldo, que mora em Pirituba. “Ah eu já não trabalharia mais, porque se ficar mais longe, fica mais difícil”, aponta José.

Seguindo com as perguntas para os comerciantes impactados diretamente com a possibilidade de mudança da Ceagesp, Natan relata ainda a drasticidade dessa transferência de localização: “Gera muito serviço. Aqui dentro o cara não fica sem emprego, se vier todo dia aqui ele arruma emprego. Sempre tem alguém precisando de outros para fazer alguma coisa”. Segundo ele, esse distanciamento levaria a desistência de alguns comerciantes antigos. Erisvaldo Carvalho, 43 anos, vendedor, afirma que, como José Linaldo, se o projeto atual da mudança da unidade para Perus for concretizado, ele não poderá continuar como comerciante. “Não continuo não. Para mim, se deslocar para ir para lá não compensa”, afirmou.

O que é, afinal, o PND?

O Programa Nacional de Desestatização foi criado em 1990 pelo Presidente Fernando Collor de Mello e serviu como um marco de privatizações de companhias estatais ao longo dos anos. Junto desses processos de privatização, surgiram as concessões. Enquanto na privatização há venda dos bens e a transferência total e definitiva de uma atividade econômica, na concessão há um contrato que possibilita a devolução desses bens e serviços ao Estado no caso do fim do período contratual ou pelo interesse público.

Neste viés, o objetivo do Programa de Desestatização seria, de acordo com seus decretos e resoluções, reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo algumas atividades de âmbito estatal à serviços da iniciativa privada. De acordo com a emenda, essa transferência visa auxiliar a administração pública federal a concentrar seus esforços nas atividades de presença estatal essencial. Para Marcos Jardim, 69 anos, advogado, a desestatização é bem-vinda, uma vez que o Estado não dá conta de manter a organização do local da melhor forma possível, o que podemos visualizar na defasagem atual do estabelecimento. “A finalidade da lei é fazer com que o Ceagesp tivesse mais fluidez, pudesse dar mais lucro, inclusive, com a iniciativa privada”, afirma. Marcos aponta ainda como benefícios desta alteração do poder público para a iniciativa privada a redução no preço dos alimentos comercializados no Ceagesp e maiores possibilidades de exploração e crescimento do entreposto. Entretanto, de acordo com pesquisas, a privatização da companhia traria maior dificuldade de seguir com as legislações trabalhistas, o que pode afetar os comerciantes locais cadastrados no entreposto.

Situado na região do Vale do Rio Juquery e da Serra Cantareira, Perus é um núcleo urbano isolado do restante da cidade por um cinturão verde cada vez mais tênue, como é descrito no site da prefeitura de São Paulo. Marcada pela história com o ouro no Brasil Colônia, a região foi zona de passagem de militares e local de abastecimento de tropas durante o período colonial. Com a instalação de transporte público com as linhas ferroviárias CPTM/CBTU e linhas de ônibus, Perus passou a ser razoavelmente próximo à Lapa e das Estações Barra Funda e Luz. Um fato marcante é que uma das maiores obras da América Latina, o Rodoanel Viário, foi iniciada com o intuito de facilitar o acesso do bairro à cidade e vice-versa. A região possui ainda ligações com duas grandes rodovias: Anhanguera e Bandeirantes. Além destas, a Raimundo P. de Magalhães, muito utilizada como acesso a municípios próximos à capital, fizeram de Perus um bairro estratégico e com crescimento urbano exponencial ao longo dos anos. O bairro conta ainda com o maior Parque Municipal de São Paulo, o Anhanguera, e grande força econômica nos setores industrial e comercial.

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