Da cidade ao campo: agricultura familiar resiste no extremo Sul da capital paulista

Pequenos produtores apostam em sustentabilidade e nos projetos “Ligue os Pontos” e “Pequeno Empresário Rural” para enfrentar desafios e fortalecer o setor

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Leila Botelho na sua produção de Cambuci
Leila Botelho na sua produção de Cambuci - Foto: Bárbara Mendes

A cidade de São Paulo, um dos principais polos econômicos do Brasil, conhecida por ser predominantemente urbana, pode surpreender os habitantes que não conhecem suas áreas de cultivo sustentável, ecoturismo e agricultura familiar. Essas práticas são comuns no extremo sul da capital, em distritos como Parelheiros, Marsilac e Grajaú.  

Sendo a totalidade de seu território em área de proteção aos mananciais, a região de Parelheiros contém remanescentes importantes de Mata Atlântica e extensas áreas de preservação ambientais. A região acolhe parte das bacias hidrográficas das Represas Guarapiranga e Billings, responsáveis pelo abastecimento de 30% da população da Região Metropolitana. Parte de sua área também é dedicada à agricultura, mantida por pequenos produtores rurais e familiares que produzem hortaliças, legumes e plantas ornamentais. Em agosto de 2019, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU) iniciou o Projeto Ligue os Pontos, um conjunto de seis encontros com agricultores da zona sul rural de São Paulo. A ideia era apresentar o cadastro de 427 unidades de produção agropecuária. Para a produção deste número, foram vistoriadas 1.692 propriedades, e o registro habilitou 170 unidades em Parelheiros, 169 no Grajaú e 88 em Marsilac.  

 

Pequena produtora rural impulsiona cultivo sustentável

Leila Botelho, 57, é uma pequena produtora rural de cambuci  que vive na região sul da cidade. Sua propriedade tem aproximadamente quatro mil metros quadrados, contando com sua moradia e a área de produção. “A gente comprou aqui há 15 anos e tinham dois pés de cambuci, aprendemos a gostar da fruta. em 2015, teve o “Ligue os Pontos”, da Prefeitura. Um dos projetos contemplados foi o nosso, o “Semeando o Cambuci”. Hoje, a gente tem mais de 225 pés só de cambuci, fora as outras frutíferas como jabuticaba, açaí, juçara, pecan, macadâmia, grumixama e cabeludinha, todas as frutas aqui da Mata Atlântica. A gente vende a muda e vende o fruto.”, relata Leila. O Projeto “Ligue os Pontos” foi criado pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento, em parceria com outras secretarias e órgãos municipais. A iniciativa da Prefeitura de São Paulo busca incentivar o desenvolvimento sustentável das áreas rurais e fortalecer as conexões entre o campo e a cidade, abordando os diferentes aspectos da Cadeia da Agricultura. 

Pé de Cambuci na Chácara Santa Ana – Foto: Bárbara Mendes

A agricultura familiar é responsável pela maior parte dos alimentos que chegam à mesa das famílias brasileiras. Além de gerar empregos no campo, ela promove o desenvolvimento econômico local, ajuda a fixar famílias em áreas rurais e contribui para a preservação ambiental por meio de práticas sustentáveis. “A gente tem energia solar, captação de água da chuva, aquaponia, que é a integração de peixes no ciclo fechado e plantação verduras. Temos a biofossa, que não polui o chão, as nascentes e nem os rios que a gente tem por aqui” comenta Leila sobre a proposta de sustentabilidade que mantem em sua propriedade, cujo o objetivo é transformar o sítio da família em um exemplo a ser seguido por outros produtores.  

sistema de Aquaponia integrado que combina a criação de peixes e o cultivo de plantas – Foto: Bárbara Mendes

Mesmo tendo sido contemplada e sendo entusiasta na produção das frutas, Botelho ainda passa por problemas e inseguranças para manter sua renda apenas com o lucro da propriedade. “A gente não tem uma venda sistemática. Então, eu não posso dizer que a gente vive hoje ainda do sítio. Meu marido trabalha CLT, embora ele esteja em vias de se aposentar. Eu sou psicóloga há 40 anos e já fiz a transição, já tenho CNPJ Rural. Mas não dá ainda para se manter com tudo isso. E olha que a gente corre, né? É a muda, é o turismo, é a hospedagem”, complementa. 

Programas de capacitação rural promovem novas oportunidades  

Pessoas como Leila, abrem suas propriedades de maneira caridosa para a sediar cursos e programas educacionais para os pequenos agricultores rurais de Parelheiros e Marsilac, como os que são oferecidos pelo Sistema Faesp/Senar-SP (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo e Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) – todos disponibilizados de forma gratuita.  

O Programa “Empresário Rural” oferecido por esse sistema, ensina aos participantes como desenvolver competências empresariais, utilizando ferramentas de gestão para planejar, organizar, dirigir e controlar a sua empresa.  “A importância é que o produtor tenha a possibilidade de aprender a administrar propriedade com recursos, não é simplesmente entrada e saída. Administração, tomar decisões com ferramentas mais eficientes, mais sensatas, coisa que normalmente ele não faz, ele acaba se descapitalizando sem entender que tem despesas, que tem custos, como depreciação, custos de oportunidade, a mão de obra dele mesmo, ele esquece que ele tem que remunerar essa mão de obra, porque se ele trabalhasse em outro lugar ele ia receber, ele pensa que sobrou um dinheirinho é lucro, não é lucro” explica Solymar Ghizzi, 60, palestrante e instrutor de cursos do Programa Empresário Rural. 

Esses produtores vêm enfrentando grandes desafios em suas trajetórias, como a dificuldade em conseguir financiamento e liberação de crédito para suas empresas. Para além da competição com produtores maiores, o acesso limitado as tecnologias e inovações que poderiam ajudar no campo e até mesmo as imprevisíveis mudanças climáticas que afetam o país como um todo. No intuito de minimizar tais problemáticas, são necessárias novas iniciativas e projetos sociais para a formação e capacitação destes agricultores, visando um futuro melhor e menos desigual para seus negócios.  

A causa dos pequenos produtores rurais e da agricultura familiar está diretamente ligada às eleições municipais deste ano, pois prefeitos e vereadores desempenham um papel crucial na implementação de políticas públicas que possam beneficiar esse setor. Quem ganhar deve propor melhoras na infraestrutura rural, incentivar feiras locais e mercados para os pequenos produtores venderem seus produtos, além de apoiar programas de capacitação técnica, como os do SENAR-SP. O comprometimento dos atores políticos com o desenvolvimento rural vai fazer toda a diferença na vida dos produtores e na economia da região, além de influenciar na qualidade do alimento que chega ao prato dos paulistanos.  

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