Brooklin comemora o Bicentenário da imigração alemã Herança dos povos de língua alemã no bairro do Brooklin

Brooklinfest se tornou uma das grandes manifestações culturais dos povos de língua alemã, no Brasil.

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Ingo Schroeder de Blumenau tocando na Brooklinfest - Foto: Bárbara Mendes

Por: Bárbara Mendes e Henrique Juang 

O bairro do Brooklin, localizado na zona sul de São Paulo, é conhecido pelas suas raízes históricas e culturais, especialmente relacionadas à imigração de povos de língua alemã. Desde o final do século XIX e início do século XX, a cidade de São Paulo recebeu um fluxo significativo de imigrantes vindos da Alemanha e da Áustria, em busca de melhores condições de vida e oportunidades de trabalho. Esses imigrantes contribuíram de maneira expressiva para a formação da identidade do bairro, trazendo uma série de tradições, mudanças na gastronomia e valores que, ao longo das décadas, foram se integrando à cultura local.  

As imigrações, porém, não foram apenas europeias: o nome “Brooklin” foi inspirado no famoso distrito de Brooklyn, em Nova York. A escolha se deu principalmente devido à influência de imigrantes norte-americanos que se instalaram na região, especialmente durante o século XX. 

Um passeio pelas ruas do Brooklin 

São diversas as formas de preservação da cultura e memória desses povos na região. Uma delas, é o Bar Zur Alten Mühle, administrado por Carlos Heinz Heying, que conta um pouco da história de sua família no cardápio: o casal de imigrantes alemães Willy e Gertrud Heying, eram proprietários da fábrica de móveis Embů Arte em Embu das Artes. Willy tinha uma forte ligação com a comunidade alemã das décadas de 1970 e 1980 e costumava receber amigos em sua loja de móveis para beber e conversar. Esse ambiente de encontros frequentes inspirou a ideia de abrir um bar, que foi fundado em 1980. A tradução de Zur Alten Mühle é “Ao Velho Moinho”, em homenagem ao moinho que existia no bairro do Brooklin. Conhecido por servir chopp Antarctica, o preferido de Willy, o bar tornou-se famoso por seu cardápio tradicional alemão, incluindo pratos como Bouletten, Porção de Salsichas Mistas, Eisbein, Kassler e Chucrute Garni. A decoração temática conta com madeiras rústicas, moinhos (miniatura? Pinturas?) e latas de cerveja, e desde o início o local é administrado pelos filhos do casal, Werner e Carlos, que é também presidente da AEMB Associação dos Empreendedores e Moradores do Brooklin.  

Carlos Heinz Heying em frente ao seu bar Zur Alten Mühle – Foto: Bárbara Mendes

Em 2024, o Brasil comemora  o bicentenário da chegada dos povos de língua alemã no Brasil. O marco é a onda de imigrantes que se estabeleceram em São Leopoldo no Rio Grande do Sul, em 1824. Desta data em diante, diversas colônias foram criadas em outras partes do Brasil, principalmente no Sul do país, mas também na zona sul de São Paulo. No Brooklin,a celebração ficou por conta das suas festas tradicionais MaiFest e Brooklinfest, que têm o objetivo de resgatar a cultura e memória germânica juntamente com a diversidade multicultural da cidade. O tema do Brooklinfest neste ano foi “Auf Entdeckungsreise” (Em viagens de descobertas), e contou com uma ampla variedade de atrações culturais, incluindo apresentações musicais, experiências gastronômicas, performances de dança típica, exposições de artesanato, literatura e poesia, além de contação de histórias, espetáculos de circo, mostras fotográficas e atividades que resgataram a história das imigrações e a riqueza de suas tradições, mostrando a miscigenação de culturas de São Paulo. 

Foram vários palcos, incluindo o Espaço Multicultural, que recebeu atrações como os grupos de dança folclórica alemã Freiheit, Edelweiss e Sonnenblume, além dos grupos Tirol e Lyra Alpenrose, que são de origem austríaca. Já no espaço Orquestra, os visitantes contaram com o Sarau Canções das Palavras, Orquestra Jovem do Colégio Visconde de Porto Seguro, Coral Mensageiros da Paz e outros. No espaço Criança, a garotada não ficou de fora, ouviram histórias da contadora Andrea Souza e Bela Lopes, além de atividades lúdicas e ainda assistiram às danças típicas. Outros espaços como a Rádio Experimetal, Biergarten Berna, Galeria Brooklin e Literatura completaram a diversidade de atrações.  

A Festa prestou várias homenagens que abrangeram uma variedade de instituições, ações culturais, personalidades e pesquisadores que tiveram destaque na preservação das tradições e da história, tanto em São Paulo quanto no Brasil. Entre os homenageados, destacaram-se a Catedral da Sé, pelos seus 70 anos, e a Igreja Evangélica Luterana de São Paulo – Igreja da Paz, pelos 65 anos. Além disso, foram reconhecidas instituições como a Colônia Suíça Helvetia e o município de Indaiatuba, bem como o pesquisador José Carlos Bannwart e o Cetrasa – Centro das Tradições de Santo Amaro. O Mapa “Uma São Paulo Alemã”, uma iniciativa do Instituto Martius-Staden, também foi lembrado, assim como os grupos de danças folclóricas alemãs: Edelweiss, pelos 45 anos, Sonnenschein Linha Araripe e Linha Brasil de Nova Petrópolis-RS, pelos 34 anos, e o Tanzfreunde, com 25 anos de história. Entre outras personalidades e entidades, foram homenageadas a Profa. Silvia Cristina Lambert Siriani e a SOBEI – Sociedade Beneficente Equilíbrio de Interlagos, que celebrou 40 anos de atuação.  As festas acontecem de forma gratuita de livre acesso no quadrilátero formado pelas ruas Joaquim Nabuco, Princesa Isabel, Barão do Triunfo e Bernardino de Campos.  

barracas com vendas variadas na Brooklinfest
barracas com vendas variadas na Brooklinfest- Foto: Bárbara Mendes

O Curador cultural das festas Luiz Delfino Cardia, de 65 anos, pesquisa há mais de 16 anos a história dos imigrantes alemães e relata a importância desses eventos: “vocês estão falando com o curador, isso é importante, que pensa a cultura como movimento e pensa a história como movimento presente, que analisa como vocês raciocinam a memória a partir da história. Memória é memória presente, não é memória do passado.”. Além do objetivo de manter a cultura viva, Cardia também conta sobre os interesses econômicos que deram o ponta pé inicial para a realização das festividades “A festa mais antiga é o Brooklinfest, 28ª edição. No fundo é a 29ª, porque como teve a pandemia, a gente fez sem som, música e dança. Começou porque aqui é um bairro alemão, de imigrantes alemães, e tinha uma loja aqui em cima que começou a juntar a ideia de fazer um recorte, que era importante fazer uma mini Oktoberfest, mas do ponto de vista cultural, para incentivar o comércio de rua”. O evento dá espaço aos empreendedores locais com barracas de diversos ramos, como moda e vestuário, doces e sobremesas, artesanatos, itens e decoração para casa, bebidas, entre outros.  

Para Luiz, manter a cultura em movimento é muito importante, mas ele sente que certas heranças como a língua estão se perdendo com as novas gerações. “Eu acho que a cultura se perde, na velocidade, como lágrimas na chuva, quer dizer, as coisas estão acontecendo rapidamente e os jovens não estão muito preocupados, só aqueles que tem uma base alemã mais sólida, que vai estudar na Alemanha, ou estuda em escola alemã, mas eu vejo o trabalho do Visconde de Porto Seguro importante, a Escola da Comunidade, é uma escola gratuita, bancada pelo Colégio Visconde de Porto Seguro e que tem alunos da comunidade de Paraisópolis”. 

Luiz Delfino, curador cultural da Maifest e Brooklinfest – Foto: Bárbara Mendes

A dança como expressão cultural  

Já para Débora Bueno, de 46 anos, integrante do Grupo de Danças Folclóricas Alemãs Edelweiss, a dança é uma das expressões mais vivas e mais características das culturas. “Não importa a civilização, o povo, não importa em qual lugar do mundo, sempre tem uma forma de expressão através de dança e através de música. É uma forma genuína, não é uma coisa que acontece apenas em um nível da sociedade, ela acontece em todos os níveis da sociedade, e isso demonstra um tanto do caráter diverso da cultura. Então, manter esse caráter por meio da dança, porque você não dança sem música, você une duas das maiores expressões artísticas de um povo. Você também mostra as curiosidades, os hábitos, a forma como que essas pessoas enxergam a sua vida, o seu meio e a forma de viver. Então, é muito importante resgatar isso”, relata. O grupo foi fundado em 1979 por descendentes de alemães que gostariam de manter e estreitar relações com a cultura do país de origem. “Era um grupo pequeno, muito segmentado, por serem pessoas que eram descendentes que começaram a ensaiar na casa de uns dos outros. Com o passar do tempo, esse grupo foi aumentando, se diversificando, não ficando restrito apenas a descendentes de alemães, mas as pessoas iam chamando amigos, parentes e conhecidos” complementa. Ainda sobre as origens do grupo, é relevante destacar sua sede, a Associação Católica Kolping, que servia como uma espécie de recepção dos imigrantes que vieram, muitos no começo do século XX, anos 1930 e, principalmente, no pós-guerra. “Eles davam um alojamento a princípio, porque não tinham uma casa, um local para ficar. Esse alojamento era dado com alimentação, com teto e com orientação, tanto profissional quanto orientação de um novo idioma. Ele cumpria essa missão de integrar esses imigrantes na sociedade”, diz Débora.  

Um tópico interessante que enriquece o folclore, é a origem do nome do grupo Edelweiss: Em alemão, “Edelweiss” significa literalmente “nobre branco” (“edel” = nobre, “weiss” = branco), referindo-se à famosa flor de pétalas brancas e aparência aveludada que cresce nas montanhas dos Alpes e dos Cárpatos, que pode ser vista de diversas formas nos elementos vinculados à cultura, como a flor gravada em colares e acessórios, bordada nos trajes típicos dos dançarinos (chama-se dirndl o feminino e lederhosen o masculino), ao longo das tranças das fridas (moças) e no chapéus dos fritz (rapazes). Na tradição folclórica, a flor Edelweiss simboliza coragem, pureza e devoção, pois é encontrada em locais de difícil acesso como os alpes e, por isso, muitas lendas associam a planta ao ato de bravura de jovens que escalavam montanhas para colhê-la e presentear suas amadas. Em algumas histórias, esses jovens enfrentavam desafios perigosos para alcançar a flor, fazendo dela um símbolo de amor eterno e sacrifício. Este ano, o grupo de dança Edelweiss foi homenageado no Brooklinfest pelos seus 45 anos de história.

Traje típico feminino do Grupo de Dança Folclórica Alemã Freiheit- Foto: Bárbara Mendes

O histórico da imigração alemã no Brooklin é um lembrete de como São Paulo foi moldada pela diversidade de povos que escolheram a cidade para construir suas vidas. Preservar essa herança é fundamental para manter a identidade cultural do bairro, especialmente em uma cidade em constante transformação como São Paulo. O Brooklin, com sua rica tradição alemã, se tornou um exemplo de como a imigração pode enriquecer uma comunidade, não apenas economicamente, mas também culturalmente, criando laços que atravessam gerações e fortalecem o sentido de pertencimento dos moradores. 

 

 

 

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