Você já reparou que as grandes mídias não costumam dar tanta importância para notícias de bairros mais afastados do centro e, às vezes, acabam por esquecê-los? Recentemente, surgiu um nome para esse fenômeno: o deserto de notícias.
O termo se refere a áreas onde a população carece de informações midiáticas locais produzidas por veículos de comunicação, mas que acabam passando despercebidas. Segundo o Atlas da Notícia, um projeto que mapeia a distribuição do jornalismo no Brasil, essas regiões enfrentam desafios como a falta de transparência do poder público e o aumento da desinformação. Sem um jornalismo presente, problemas locais podem ser ignorados pelas autoridades, e os moradores podem se sentir desconectados de sua própria realidade.
O surgimento de páginas comunitárias na internet, como o Pirituba Net, vem com a importante missão de combater esse vazio informativo. Criada em 2008, inicialmente com o objetivo de divulgar a cultura e o entretenimento do bairro de Pirituba, na Zona Noroeste de São Paulo, a página cresceu e se tornou uma das principais fontes de informação da região.
Alexandre Pimenta, administrador da página, conta que, no início, criou um site para mostrar às pessoas o que era Pirituba e o que o bairro tinha a oferecer. Com o tempo, a página passou a receber sugestões de notícias e a expandir seu conteúdo.
“No começo, não era um jornal e sim um site de consulta. Mas com o tempo, comecei a compartilhar matérias”, relembra Alexandre.
O crescimento foi inevitável. Em 2012, a iniciativa se tornou um negócio formalizado e, hoje, o Pirituba Net já acumula mais de 450 mil seguidores somando Facebook e Instagram. Diferentemente de muitos portais regionais que apenas replicam notícias de grandes veículos sem edição ou curadoria, Alexandre faz um trabalho minucioso, ajustando imagens, transformando fotos em vídeos e garantindo que a informação seja acessível e envolvente para o público.
Apesar da expansão, o projeto ainda enfrenta desafios. Alexandre explica que trabalha sozinho e que expandir o negócio — como montar um escritório ou contratar funcionários — se torna inviável devido aos altos custos e à burocracia. Mesmo assim, ele acredita que manter a qualidade e a credibilidade da página é essencial.
“Ele cresce sozinho, espontaneamente, organicamente. Nunca paguei um centavo para fazer comercial ou trazer seguidores, e mesmo assim ele continua se expandindo. O difícil é manter esse nível e responder todas as pessoas que mandam mensagens todos os dias, pois sou o único administrador.”
O crescimento de iniciativas como o Pirituba Net faz parte de um movimento maior de fortalecimento do jornalismo hiperlocal. O jornalista Daniel Cassol, doutorando no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pesquisa essa transformação e ressalta a importância dessas páginas na luta contra a desinformação: “Nós vivemos um processo de crise jornalística, mas os pequenos sites vêm diminuindo esses desertos”, explica Cassol.
Segundo ele, a crise na grande mídia não se limita a questões financeiras, mas também reflete uma desconexão com o público.
“O Pirituba Net, assim como outros meios informais de jornalismo, mostra como a grande imprensa ignora determinadas regiões e concentra sua cobertura no centro e nas classes médias altas.”
Em um estudo publicado em fevereiro de 2022, o Atlas da Notícia identificou uma redução de 9,5% no número de municípios considerados desertos de notícias no Brasil. No total, foram mapeados 13.734 veículos jornalísticos em atividade em 2021, e o levantamento incorporou 642 novos empreendimentos. Desses, 449 são iniciativas online, tornando esse o segmento com maior representação no jornalismo local no Brasil. Esses dados comprovam a importância das redes sociais como meio de informação.
Cassol destaca um dos principais diferenciais das páginas no Instagram: “A outra questão é a linguagem. O jornalismo tradicional trabalha muito com uma linguagem formal, e contas como o Pirituba Net acabam usando um tom mais simples e legendas mais rápidas e dinâmicas.”
Outro fator essencial para o sucesso da página é a relação com seus seguidores. Mesmo administrando o portal sozinho, Alexandre faz questão de responder mensagens e considerar sugestões de postagens. Entretanto, ele comenta que muitos confundem a página com um canal de reclamações:
“Recebo reclamações de tudo: árvore caída, residência sem luz, falta de água e outros problemas. Alguns casos conseguimos resolver internamente, mas costumamos orientar as pessoas a abrirem um protocolo nos órgãos corretos”, explica.
A credibilidade da página é reforçada pelos 12 prêmios que conquistou ao longo dos anos, incluindo reconhecimentos da Polícia Militar e da Câmara Municipal. Alexandre faz questão de manter um jornalismo ético e transparente, evitando a exposição de vítimas e respeitando os direitos de imagem — uma abordagem que se diferencia de páginas que priorizam engajamento a qualquer custo.
“Acredito que é possível informar sem sensacionalismo. Meu objetivo sempre foi fazer algo sério e que trouxesse benefícios para o bairro.”
Para muitos moradores, ter informações sobre Pirituba na palma da mão criou um senso de pertencimento e conexão com a região. O seguidor Gabriel Gleria conta como o Pirituba Net impacta sua rotina: “Mesmo Pirituba sendo apenas um bairro, é uma região muito grande, e precisamos nos manter informados. Quando abro o Instagram e vejo a notícia de um alagamento ou acidente, evito aquele trajeto e consigo economizar de 20 a 30 minutos do meu dia.”
De acordo com Daniel, a iniciativa e grande sucesso da página devem ser usadas como exemplo pelas grandes mídias ao retratar a realidade dos bairros que costumam ser marginalizados e esquecidos. Ele encerra dizendo:

“Não devemos ter preconceitos com essas páginas, temos que defender nosso ofício quanto jornalistas como a qualidade da informação, a apuração e a checagem, mas também devemos usar de aprendizado e analisar como eles lidam com o público”.