Assédio das incorporadoras já provoca incômodo para quem vive na região
por Gabriela Silva |10437675
Localizada na zona centro-sul de São Paulo, a Vila Mariana é um bairro tradicional da capital paulista, conhecido por sua atmosfera agradável, ruas arborizadas e infraestrutura completa. Por ser considerado um dos melhores bairros a se viver em São Paulo, de acordo com levantamento da Radar Imobiliário, nos últimos anos, a região tem se destacado pelo crescimento constante na valorização de seus imóveis, gerando maior fluxo migratório.
A proximidade com a Avenida Paulista, a presença de universidades renomadas e a oferta de transporte público eficiente, incluindo estações de metrô e vias de acesso importantes, fazem com que os imóveis da região tenham alta demanda. Além disso, a infraestrutura de comércio, lazer e segurança contribui para o aumento contínuo dos preços dos imóveis, tornando a Vila Mariana uma das áreas mais promissoras da cidade para investidores imobiliários, chegando ao atual valor de aproximadamente R$12.500,00 mil reais o metro quadrado.
Por isso, a Vila Mariana, que possui 8,6km² de extensão, vem passando por uma crescente verticalização. Prédios altos substituem casas tradicionais, gerando trânsito, há perda de áreas verdes, seguido de um aumento na poluição sonora e ambiental. Nesse sentido, em oposição ao que as pessoas de fora pensam, moradores da região estão cada vez mais insatisfeitos com esse cenário. Para muitos moradores, além dos novos problemas implementados no cotidiano, a Vila Mariana está perdendo sua identidade devido a um crescimento desordenado.
Derrubada das árvores e Plano Diretor
Em novembro de 2024, por exemplo, moradores da região se juntaram para protestar contra a derrubada de 172 árvores pela Prefeitura de São Paulo para a construção de dois túneis na Rua Sena Madureira. Nesse cenário, a população questionava a efetividade da solução para o trânsito e defendia que a remoção de árvores para a realização de obra viária em meio à crise climática seria inaceitável. Essa situação, porém, só chegou a viralizar quando, no dia sete de novembro, uma manifestante de 33 anos chegou a ser detida pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) após abraçar uma árvore e resistir à remoção.
Entretanto, na época, a gestão da prefeitura prometeu fazer o plantio de 266 novas mudas na região após a conclusão da obra, além de oferecer indenização ou outra moradia definitiva à população que hoje vive na região ao redor do projeto de construção que precisará ser removida. Porém, tal população desacredita na realização dessa promessa, visto que os últimos feitos de plantios no bairro realizados pela prefeitura são datados em 2015 e 2021, sendo eles o plantio de 500 árvores para recompor, em parte, exemplares que foram derrubados pelos temporais de dezembro de 2014 e, o plantio de 100 mudas de árvores frutíferas e floríferas, respectivamente.
A moradora Camila Souza, de 35 anos, cita as suas reclamações dos moradores da área sobre os problemas que as construções no bairro trazem a curto prazo: “A piora no trânsito que já está um absurdo, a frequente poluição no ar causada pelas obras e, de madrugada, também tem o barulho dos caminhões de construções e gritarias dos funcionários”. Além disso, ela conta que mora na Vila Mariana desde os dois anos de idade, e para ela, ver o bairro perder a sua identidade com as novas obras, é o mais triste.
Valéria Almeida, uma senhora aposentada de 63 anos, que mora no bairro há mais de 30 anos, relatou que a verticalização na região da Vila Mariana se intensificou após a alteração no Plano Diretor em 2023. “O Plano Diretor de 2014, criado pela Câmara Municipal de São Paulo, foi feito para verticalizar os grandes eixos e avenidas, só que isso era para trazer infraestrutura para as classes mais baixas, ao menos esse era o plano inicial”. Ela contou ainda que essa primeira proposta foi um “tiro no pé”, porque os prédios que foram construídos tinham um valor alto demais para atender o público alvo. “Em 2023 foi um novo Plano Diretor, o plano que permitiu que isso se estendesse aos bairros, com essa ideia de que seria moradia de incentivo social”, explica.
Em suma, o Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo de 2014 que foi aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo, é uma lei municipal que estabelece as diretrizes para o desenvolvimento urbano de uma cidade. Ele define como a cidade deve crescer, como o solo deve ser usado, quais áreas devem ser preservadas e quais áreas podem ser ocupadas. O objetivo do Plano Diretor é garantir que a cidade se desenvolva de forma organizada, sustentável e justa, sendo obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes, integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, e cidades onde o poder público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade.
A revisão do Plano Diretor, aprovada em julho de 2023, introduziu diversas mudanças significativas, com o objetivo de promover uma cidade mais equilibrada e sustentável. Algumas das principais alterações incluem o adensamento populacional em áreas próximas a eixos de transporte público, visando reduzir a dependência de carros e incentivar o uso de transporte coletivo, a criação de mais habitações sociais em áreas centrais da cidade, buscando diminuir o déficit habitacional e promover a inclusão social, entre outras propostas.
Entretanto, além da Valéria Almeida, outros moradores da Vila Mariana também se queixam dessa mudança no Plano Diretor. Eles contam que depois dessa mudança, as construtoras e empreendedoras começaram a persegui-los incessantemente querendo comprar as suas propriedades, tal qual um assédio. John Albuquerque, de 68 anos, conta que essas empresas fazem uma pressão psicológica incessante, indo até atrás dos familiares dos proprietários. “Eles pegaram o número da placa do meu carro e conseguiram descobrir o telefone da minha sogra, e aí ligaram para ela para tentar manipulá-la para nos convencer a vender a nossa casa”. Albuquerque também também revela que eles possuem o esquema de mentir dizendo que os vizinhos do lado já venderam suas propriedades, e começam a pressionar afirmando que logo a sua seria a última restante, deixando o preço da casa mais barato. “Eles fazem esse terrorismo na vizinhança, e com o valor que eles te oferecem, você nunca consegue comprar um imóvel igual ao seu na região”, argumenta.
Moradores aborrecidos (e unidos)
Cansados dessa situação incômoda, os moradores da Vila Mariana se reuniram para colocar placas nos portões de sua casa dizendo “essa casa não está à venda”, tanto como um aviso, como também um protesto diante dessa situação. Adicionalmente, esses vizinhos se reuniram na causa “Chega de prédios”. Espalhados folhetins pelo bairro, essa causa que possui um perfil no Instagram com quase mil seguidores, expressam a sua indignação e preocupação dos moradores da região acerca da verticalização predatória que está devastando o local. O abaixo-assinado criado por eles já conta 1600 assinaturas no site. “O objetivo do nosso grupo é lutar contra a verticalização e preservar a configuração do nosso bairro, porque quando você vai construindo, você vai perdendo as características intrínsecas do bairro”, diz Patrícia Lima, 34, integrante da causa. Ela explica que o movimento não possui um líder, pois é orgânico e espontâneo.
A fotógrafa e professora Fabiana Albuquerque, 41 anos, esposa de John Albuquerque, destaca a importância de fazer uma denúncia e de chamar a atenção da mídia, visto que diversas construções estão sendo feitas sem tomar o devido cuidado com as questões geomorfológicas da região. “Se aqui esse solo é mole, ele não poderia estar sendo construído, então a gente quer questionar como isso foi autorizado, quais os critérios, já que aqui tem bastante documentos falando sobre a bacia daqui e que não poderia estar sendo construído, ainda mais com essas construções ultra profundas”. Ela acrescenta que, quando eles fazem essas construções, eles mexem nos lençóis freáticos, o que afeta muito, e dessa forma a água encontra outros meios de ‘escapar’ e assim cria desestabilização nos solos e arredores, porque a região já é uma área com muita água subterrânea.
Afora isso, no site do abaixo-assinado, consta que as diferentes esferas do poder público devem cumprir seu dever de respeitar e fazer respeitar a legislação já existente, não permitindo alterações arbitrárias, considerando a vontade dos cidadãos da Vila Mariana, Aclimação e demais bairros horizontais da cidade, com o fim de preservar o meio ambiente, o patrimônio histórico-cultural e a qualidade de vida dos moradores. “Não podemos permitir que a ganância das incorporadoras e do mercado imobiliário continue a destruir nossos bairros e nossa cidade”, destaca o documento.
Apesar de ser bastante admirada por quem vem de fora por sua localização privilegiada e infraestrutura, a Vila Mariana vive um paradoxo: se, por um lado, atrai novos moradores e investimentos, por outro, os antigos moradores se sentem cada vez mais excluídos e desrespeitados. A verticalização predatória tem mudado o estilo de vida dos habitantes da região além de estar apagando aos poucos a história do bairro, consequentemente gerando revolta e sensação de perda, pois, para os moradores, preservar a identidade local é tão importante quanto acompanhar o desenvolvimento urbano.
Gabriela Silva