Muros de áreas periféricas são telas artísticas para intervenções

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Como a Vila Nova York, localizada na Zona Leste da capital paulista, se transformou espaço para manifestações criativas

Por Julia Figueiredo

Em um bairro da Zona Leste de São Paulo, a mesmice cotidiana é quebrada por uma avalanche de cores e criatividade. Lá, encontram-se grandes mosaicos espalhados pelos muros de suas ruas, formados por azulejos e pisos de cerâmica quebrados em tamanhos pequenos e desiguais. Os desenhos inusitados variam entre animais, plantas ou formas abstratas. O responsável por essas obras é Nelson Elias Moreira, artista plástico que usa da sua arte para fazer a diferença em seu bairro, o qual é repleto por atos de vandalismo, como pichações.

No dia 05 de fevereiro de 2025, a Subprefeitura Sé divulgou em suas redes sociais a remoção de algumas pichações ilegais em espaços públicos. A ação foi decretada pelo prefeito Ricardo Nunes, e abrangeu regiões centrais da cidade de São Paulo, como no viaduto Júlio de Mesquita Filho do bairro Bela Vista, no Centro Histórico da Avenida Prestes Maia, na Rua Glicério do bairro Liberdade, entre outros.

Medidas como essas, no entanto, realizadas no centro da cidade, são mais incomuns em áreas periféricas. A região movimentada do Aricanduva, centrada ao redor da grande Avenida Aricanduva, é um exemplo disso. A última ação de limpeza feita pela sua Subprefeitura foi em 2014.

O bairro Vila Nova York, ou Vila Nova Carrão, como também é chamado, devido à sua proximidade ao bairro Carrão, é uma pequena área da região Aricanduva. Nele, seus moradores percebem a pichação como um fator constante aos arredores de suas casas, mas ainda notam outras intervenções que os agradam.

Karen Rosa de Oliveira, de 34 anos, é dona de um salão de beleza e mora no bairro durante toda sua vida. Em frente ao seu comércio, há um grande muro de aproximadamente 15 metros, o qual é inteiramente composto por graffitis de desenhos diversos e coloridos. Apesar de compartilhar que gosta da intervenção, assim como seus clientes, Oliveira conta que ainda é uma prática menos comum do que as pichações da região. “Agora tem mais, mas ainda falta”, diz a cabeleireira, destacando o crescimento, mas a escassez de manifestações de arte positivas aos arredores de onde vive.

Também percebendo a falta de expressões artísticas e a necessidade de mudanças na região onde habita, o artista plástico Nelson Elias Moreira, de 61 anos, resolveu agir em favor da transformação. Ele é o artista que faz arte nos muros das ruas do bairro Vila Nova York utilizando pedaços de azulejos e pisos de cerâmica. Moreira os quebra em pequenos pedaços e os cola nos muros, criando mosaicos coloridos das mais variadas formas: animais, figuras abstratas, mandalas etc.

Nelson Elias conta que mora nessa mesma localidade há 59 anos, e há mais ou menos um ano e meio decidiu utilizar suas habilidades pessoais em prol do bairro. “Eu simplesmente falei assim: eu quero fazer algo pelo bairro que eu moro”, conta ele, animado ao perceber os resultados de seus trabalhos. Hoje, diversas partes da região são cobertas por sua arte, sendo notáveis pelos que passam por ali. Os planos de Nelson são de “fazer daqui uma área totalmente artística”, manifesta esperançosamente.

Nos posts de suas redes sociais, ao compartilhar seus trabalhos finalizados, coloca, por vezes, a legenda “Vila Nova York existe no mapa”, destacando a falta de interesse e atenção que o bairro recebe. Ele ainda afirma ter escutado reclamações ao longo de sua vida, como “esse bairro já deu o que tinha que dar, aqui não tem nada, não muda nada”. Insatisfeito com a situação, demonstra suas intenções de “ser o precursor e começar algo”, mas afirma que seu principal objetivo é atrair mais gente para o local, pois “as pessoas têm até razão em falar que é uma região esquecida”, reflete.

Uma das formas para um espaço ganhar maior visibilidade é por meio da denúncia jornalística nos meios de comunicação. A jornalista Milena Vogado, 25 anos, ex-correspondente do bairro Aricanduva na Agência Mural, diz que a falta de cobertura jornalística em locais menos favorecidos é prejudicial para a formação de opinião dos moradores.

Na questão artística, como nas artes urbanas, por exemplo, Vogado reflete sobre quando são feitas em regiões com condições sociais diferentes. “Esse tipo de arte é muito periférico, mas chama muito mais atenção quando está no centro de São Paulo”, reconhece. E para a profissional, como jornalista que trabalhava em um portal de notícias voltado ao público periférico, “se fosse explicado pela mídia o conceito da história, o artista que fez aquilo, por que fez, como isso valoriza o ambiente, como torna a periferia mais bonita. Isso mudaria a opinião das pessoas sobre”, declara.

Hoje, a jornalista trabalha no jornal Metrópoles, um veículo de grande mídia, o que a possibilita perceber diferentes aspectos da abordagem midiática sobre certas regiões da cidade. “Como a grande imprensa valoriza muito a audiência, e o que chama a atenção das pessoas são barbáries, esses acabam sendo os assuntos mais cobertos”, compartilha. Essa priorização contribui para que sejam menos abordadas questões mais cotidianas, como a cultura desses bairros.

Incentivo governamental

A Lei Federal de Incentivo à Cultura, de 1991 e em vigor até os dias atuais, tem o objetivo de facilitar e promover o acesso à cultura para todos os cidadãos. A lei promove patrocínio e apoio monetário a diferentes manifestações artísticas. Um de seus alvos é o incentivo a projetos que envolvam arte de rua, encontros de poesias, saraus, artes em muros, artes cênicas, entre outros.

Considerando esse apoio governamental, Priscila Christman Lorusso, pesquisadora e mestre em estética e história da arte, diz achar que o ideal seriam “ações que partissem do bairro”, pois, visto a disponibilidade por parte do governo, são necessárias “pessoas que queiram promover a cultura”. Lorusso ainda expõe o fato de pessoas de bairros afastados tentarem divulgar suas artes no centro da cidade, “até porque, lá já é um ambiente estruturado”, diz. Para a pesquisadora, o início de uma ação artística em uma área que carece dela é essencial.

Apesar dos esforços para modificar positivamente seu bairro, o artista plástico Nelson Elias aponta que muitos moradores locais de sua Vila Nova York não se importam ou sequer percebem seus feitos. Sobre isso, Priscila Lorusso afirma que a interpretação à arte também depende do convívio com a cultura artística de cada indivíduo, pois a pessoa acaba “valorizando mais aquilo que conhece”, explica. Ela ainda complementa, alegando esse ser um privilégio mais comum aos com maior poder aquisitivo, pois possuem mais facilidade em consumir esses meios artísticos, como por exemplo, visitas a exposições.

Entretanto, apesar do privilégio social, intervenções impactam positivamente ambas realidades. “A diferença na percepção do bairro muda, sendo para uma pessoa de bairro periférico ou não”, diz Lorusso. Independente da possível falta de repertório pessoal para a compreensão de obras ou manifestações artísticas, as intervenções afetam os moradores de qualquer maneira, pois “é uma coisa que escapa da parte social”, conclui.

Para Viviane Manzione Rubio, professora doutora e coordenadora do curso arquitetura e urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, intervenções populares produzidas pelos moradores “necessitam de uma articulação para a consciência coletiva, reforçando que a intervenção é benéfica para todos, já que a melhoria será evidente”, expõe. Com essa conscientização do benefício da intervenção à comunidade, a população pode ser incentivada a, inclusive, contribuir para o desenvolvimento de outros projetos.

Descontentamento às pichações

Espalhados pela Zona Leste de São Paulo existem certos graffitis específicos produzidos por um grafiteiro que os assina como Bolha. Bolha preferiu não dar entrevista à reportagem, devido à sua identidade anônima. A marca registrada de seus desenhos é algo comum e cotidiano: televisões. São televisões simpáticas, com aspecto personificado, coloridas e muitas vezes com alguma mensagem.

Ao lado de uma loja de antiguidades, a Tesouros e Relíquias, localizada na Av. Conselheiro Carrão, n° 1635, há um dos graffitis de Bolha. Caetano Ataria, de 75 anos, gerente da loja de relíquias, conta que não se importa em relação ao feito. Para ele, entretanto, é essencial diferenciar graffiti de pichação. Além disso, enfatiza a necessidade da autorização de quem detém o espaço para que o trabalho possa ser feito.

Em relação ao muro pintado paralelo ao comércio, o gerente demonstra sua opinião ao dizer ”ali não foi autorizado, mas é um muro que ninguém iria pintar. A prefeitura não vai fazer a manutenção, então está tudo bem. Chega a embelezar o local”, diz, apesar de destacar não haver uma mensagem que agregue no dia a dia da população.

Caetano Ataria reforça seu posicionamento contra a pichação ao lembrar que, quando mais novo, cerca de 30 anos atrás, saía de madrugada, pegava os pichadores em ação e os levava para a delegacia. Segundo a Guarda Municipal de Campinas, um dos municípios de São Paulo, dados de 2024 mostram um prejuízo anual estimado em 1 milhão de reais, causados pela necessidade de reparos às pichações.

A moradora do bairro Vila Nova York de 44 anos, Josélia Vieira Gomes, é uma das cidadãs a sentir os danos causados pelas pichações. Josélia é dona do hortifruti Bela Fruta, que fica na Av. Pastor Cícero Canuto de Lima, n° 30, também na Vila Nova York, e conta que seu estabelecimento já foi alvo de pichações diversas vezes. “Nós pintávamos tudo. Passava uma semana, já estava pichado”, relata. Agora, o muro do comércio de dona Josélia, que ainda contém pichações, está sendo transformado pela arte com caquinhos do artista Nelson Elias. “Maravilhoso! O que ele está fazendo ali já está perfeito”, opina a comerciante.