Localizada na Rua da Consolação, no número 1.075, a Casa Amarela foi uma das primeiras ocupações socioculturais a existir e resistir na cidade. Em 1° de julho de 2015, ela se tornou o Quilombo Afroguarany, um quilombo urbano de artistas do centro. Pouco conhecida e uma incógnita para quem passa na frente do local, a ocupação busca democratizar seu espaço tendo como base a Lei 1.645, que incentiva o ensino da história afro-brasileira e indígena no currículo das escolas.
O imóvel público tombado tem como foco principal o resgate da cultura ancestral afro-brasileira e indígena, mas atende as mais diversas vertentes artísticas. O resgate cultural ocorre por meio de eventos culturais como cursos, oficinas, aulas de capoeira, de dança, atividades holísticas, feiras, visitas guiadas pela Casa e rodas de samba. “A gente acredita muito no poder da arte como transformadora social”, comenta Alex Assunção, 32 anos, um dos gestores da Casa Amarela há 8 anos.
De acordo com Alex, o local deve servir para que jovens das periferias da cidade se sintam acolhidos. “Tem muitos espaços culturais no centro, mas que muitas vezes acabam sendo elitizados, aonde a periferia não se sente nem representada nem à vontade. Entretanto, a Casa Amarela é este lugar de acolhimento”, comenta. Ele compartilha também que, para as pessoas da periferia que entendem a estética do local, só de olhar para ele, elas já se identificam, uma vez que a estrutura da casa transmite de força, contendo pichações
Por trabalhar com diversas áreas culturais, o público da Casa é bastante diversificado. Seus frequentadores vão de adolescentes à adultos. Entretanto, Alex conta que, entre 2017 e 2018, a Casa já teve jovens como público majoritário. Isto ocorreu porque a administração decidiu trabalhar mais com uma linguagem underground e com vertentes como o rap e o reggae, que sofrem muito preconceito e, por isso, acabam sendo acolhidas pelas pessoas mais jovens.
Os eventos sediados pela Casa ocorrem com a ajuda de parceiros, colaboradores e instituições que acreditam no projeto cultural. Uma dessas parcerias é com a Faculdade das Américas, que oferece atendimento psicológico, coletivo e individual tanto para o público quanto para os parceiros da ocupação, desde o início de 2023. “O foco maior da casa é um resgate ancestral e fazer com que a arte resgate pessoas”, conta o fulano. Além disso, existe uma parceria voluntária com um escritório de advocacia, que é responsável pela parte jurídica, algo crucial na luta pela reintegração da posse da Casa.
A briga contra a reintegração de posse
São Paulo tem quase 20 vezes mais imóveis vazios do que pessoas em situações de rua, segundo dados do IBGE de 2023. Alex afirma que a ocupação é um dos meios que podem solucionar este problema por meio da efetivação da função social, qual está garantida no artigo 5º da Constituição Federal. “Ocupar é ver um espaço vazio e dá-lo uma função social, seja ela através da arte, seja ela através de moradia”. O gestor conta que pelo ato de ocupar é possível democratizar o espaço e utilizá-lo para produções culturais.
“O primeiro modo de ocupação que existe é a ocupação do espaço público da rua” afirma Alex. Para ele, o trabalho na rua é essencial, e atualmente eles estão voltando a produzir atividades culturais com a população em situação de rua por meio da ocupação de praças. “A Rua pra gente é a abreviação de Resistência Urbana Afroguarany”, conta o gestor.
Em 2015, a Casa pertencia ao INSS, porém, por conta da mobilização feita pelos militantes, passou a ser da Prefeitura, no intuito de seu principal problema ser solucionado, a falta de restauro e de sua função social. O local já passou por sete tentativas de reintegração de posse até o momento em que eles fecharam uma parceria com o Estudio Serasá, o que fez com que conseguissem doação para o projeto de restauro. O projeto foi entregue para a prefeitura, que reconheceu a importância do local através de uma nota, na qual diz que estão em negociação, e que o local apresenta um projeto de relevância para a cidade. “O fato de terem segurança da prefeitura subordinada a eles é uma demonstração que estão negociando e têm seu apoio”, comenta Alex.
A luta pela posse da Casa é uma briga para continuar o trabalho que já é feito e pode melhorar, aumentando a visibilidade do espaço e amplificando os impactos que ela pode causar na cidade. “Ocupação é pensar numa forma coletiva de resolver problemas que o Estado não está resolvendo e, muitas vezes, ajudá-lo a reconhecer que esse problema tem solução, fator que a Casa Amarela fez”, finaliza Alex.