Flávia Falsetti de Sousa
Respeitável público, “Hoje tem Espetáculo”, a exposição que conta a história do circo e se localiza no Centro Cultural Olido. Logo à esquerda da porta de entrada, um palhaço indica o caminho para uma sala que exala arte por todos os cantos. Desde as paredes que conversam com os visitantes até a maquete que mostra o backstage da lona que abriga as risadas do público.
Uma sala aparentemente simples, mas que carrega uma história que se estende por décadas. As paredes são cheias de textos que se moldam como uma linha do tempo, fotos de palhaços e jornais antigos, e alguns objetos expostos ao público. No centro, uma maquete que mostra todo o processo de produção dos artistas, desde a arquitetura nômade, até a maquiagem e os figurinos pré-espetáculo. São muitos registros de risadas, acrobacias e piruetas armazenadas em um único lugar.
Nosso espetáculo começa no século XIX, chega no Brasil por volta de 1830 com as famílias circenses vindas da Europa e se estende até os dias de hoje em vários lugares do país. Esses artistas levam uma vida nômade, absorvendo a cultura e os costumes dos lugares por onde passam para agregar e adaptar a suas apresentações. Durante muito tempo, essa arte foi a única forma de levar a cultura e o entretenimento para a população que não conhecia a internet.
O Centro de Memória do Circo (CMC), da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, fundado em 16 de novembro de 2009, se localiza no bairro da República e é o primeiro espaço da América Latina inteiramente destinado à preservação da cultura do circo. “A memória circense é um pouco da história mundial da arte, então precisamos respeitar muito essas práticas e tentar preservar ela ao máximo, passar para outras gerações e manter ela viva”, afirma Luciana Ramin, 44, gestora do Centro Cultural Olido.
Seu acervo é repleto de fotos, jornais, documentos, livros de ouro, cartazes, figurinos, perucas, aparelhos de circo, entre outros. Ana Laura Brait, de 22 anos, que trabalha com a restauração e preservação dos objetos do acervo, relata que é muito importante catalogar e tomar todos os cuidados para preservar ao máximo os documentos. Até a década de 80, existem poucos registros sobre os saberes circenses, sendo propagado através da oralidade por várias gerações. O registro colabora para que as tradições, como por exemplo a gastronomia, não se percam no tempo. “Nós vamos resgatando todos esses saberes que às vezes vão se perdendo no circo. A gente resgata, elabora e difunde esses conhecimentos”, conta Emily Kimura, 31, comunicadora do CMC. Todas as documentações ficam disponíveis para o público e para pesquisadores que desejarem estudar sobre essa arte.
Largo do Paissandu, onde o circo mora. O bairro da República não abriga as memórias do circo por mera coincidência. Em 1887, a primeira lona a ser montada no local foi a do Circo Irmãos Carlo. Abelardo Pinto Piolin, popularmente conhecido como palhaço Piolin, fazia parte do circo Alcebíades e conquistou o público na década de 20. Desde então, o lugar se tornou morada para os circenses.
O café dos artistas funcionava como um ponto de encontro. Numa época em que não existia uma forma rápida e prática de comunicação, através da internet, por exemplo, era importante ter um lugar para se reunir. Funcionava às segundas-feiras, dia de folga da categoria, e possuia diversas finalidades, desde reencontrar parentes, saber das novidades e procurar por um emprego. “Até antes da pandemia, os circenses mais antigos vinham aqui toda segunda-feira trocar informação, descolar um trabalho”, conta Emily.
Com o passar dos anos, o circo acompanhou as mudanças da sociedade e mudou sua forma de se propagar. As escolas de circo surgiram em meados dos anos 80, e então, pessoas que não vinham de famílias circenses passaram a ter a oportunidade de adentrar nesse universo, que antes era passado apenas entre as famílias de geração em geração.
Dia 27 de março é o dia do circo, sendo nessa data em homenagem ao palhaço Piolin e seu sucesso ao longo da carreira. Em comemoração, o Centro de Memória do Circo realizou um evento com duração de três dias. As mais variadas formas de relembrar essa cultura estavam presentes, como palhaços, pipoca, algodão doce, maçã do amor, música e sombrinhas que embalavam balas de coco.