SP Escola de Teatro promove cultura e conserva a história do Brás

Centro oferece curso técnico e localiza-se em prédio tombado

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Interior do prédio da SP Escola de Teatro, tombado em 2002

Por Isabela Vitiello, Julia Costa, Juliana Manhani Abel, Larissa Maria, Letícia Juang e Priscilla Salles

A SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco faz parte de um programa que, desde 2010, oferece cursos técnicos gratuitos na área de teatro e é mantido em um prédio histórico do distrito do Brás, na cidade de São Paulo.

Atualmente, estima-se que, por ano, cerca de 400 alunos frequentem as aulas, sendo que todos passam por um processo seletivo para serem admitidos. Com dois anos de duração, o curso trabalha com oito linhas de estudo: atuação, cenografia e figurino, dramaturgia, direção, humor, iluminação, sonoplastia e técnicas de palco.

A SP Escola de Teatro é mantida financeiramente pela Secretaria de Cultura, Economia e Indústrias Criativas do Estado de São Paulo e gerida pela Associação dos Artistas Amigos da Praça. A ideia de criar a Escola veio de reuniões entre profissionais ligados a grupos e espaços culturais, de 2005 a 2009. Por isso, o centro trabalha com slogan “artistas que formam artistas”.

A criação do projeto foi impulsionada pelo aumento da produção teatral e pelo crescimento da demanda por mão de obra no ramo. Somado a isso, a Escola é movida pela necessidade de existirem iniciativas que gerem a democratização do acesso à formação artística, visando levar o teatro a diferentes camadas da população. Com esse intuito, o centro une ao ensino ações de inclusão social, oferecendo bolsas-auxílio a alguns estudantes.

João Paulo Cavalcanti, 21 anos, é produtor cultural e ator. Recentemente, ingressou no curso técnico da SP Escola de Teatro e, às quintas e sextas-feiras, faz aula de dança para todos os corpos. João reconhece a inclusão proporcionada pelo centro: “eu acho importante, porque alguém que não tem condições de pagar um curso caro tem a opção da Escola de Teatro, porque lá o curso é de graça”. O estudante ainda conta que optou pelas aulas para ter uma maior construção corporal, a ser incorporada em seus personagens. Segundo ele, o curso já entregou uma consciência importante e que agora ele entende que “o corpo fala” e “os corpos se conectam”.

Nesse sentido e pensando nas Artes Cênicas como valorização da criação e do pensamento crítico, a SP Escola de Teatro tem um sistema pedagógico próprio, diferente das bases educacionais tradicionais. O centro é inspirado na pedagogia da autonomia, proposta por Paulo Freire, que defende que “quem ensina aprende ao ensinar; e quem aprende ensina ao aprender”. Assim, o curso não é hierárquico, não há subordinação. O conhecimento se dá de acordo com o ritmo dos alunos e docentes. O ensino não é cumulativo, de modo que o centro não considera que um aluno do quarto semestre seja mais avançado do que algum que esteja nas fases iniciais. Isso porque o método crê que o conhecimento artístico deve sempre ser uma forma de expansão natural, não de acumulação.

Para os alunos que desejam aumentar seus conhecimentos teatrais, a Escola oferece, além dos cursos técnicos, cursos de extensão cultural, também gratuitos. Com 64 horas de duração, há cerca de 30 cursos que visam ampliar a formação e qualificação profissional, por meio de conteúdos complementares. Também há mesas de discussão e debates. As atividades de extensão cultural são divididas em três áreas: iniciação, reflexão e produção.

Na SP Escola de Teatro, a experiência das Artes Cênicas amplia-se para além das fronteiras brasileiras. Desde o início, o centro mantém relações com teatros, associações e universidades estrangeiras, unidos em projetos. Ocorrem intercâmbios de professores e alunos entre diversos países. Ao longo dos últimos anos, foram feitas parcerias com quase 30 nações.

Em 2022, o centro realizou um relatório para analisar o perfil de seus estudantes. Com os resultados, comprovou-se que a SP Escola de Teatro garante sua plenitude no tocante às suas ações afirmativas. Isso porque somente 8,7% dos alunos consultados possuem renda superior a R$1800. Além disso, 37,5% dos alunos são moradores de periferia. O curso ainda concede bolsa-auxílio – também chamada de Bolsa-Oportunidade – a 75 discentes, sendo que quase metade deles (48%) declara-se negra e a maioria (61,3%) cursou o ensino médio integralmente em colégios da rede pública. Os dados estão em consonância com os valores da instituição, dentre os quais estão o respeito à diversidade sociocultural, étnica e de gênero, à difusão cultural e à equidade.

Essa inclusão que permeia o centro já foi reconhecida. A Associação dos Artistas Amigos da Praça, organizadora da SP Escola de Teatro, ganhou em 2021 e 2022 o selo Igualdade Racial da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura da cidade de São Paulo.  A certificação é dada a instituições com ao menos 20% de pessoas negras no quadro de profissionais.

 O edifício histórico  

A SP Escola de Teatro teve como sua primeira unidade, em 2010,  um importante prédio histórico do Brás. Localizado na Avenida Rangel Pestana, próximo às estações Bresser/Mooca e Brás do metrô, o edifício foi erguido em 1913 e assinado pelo engenheiro e arquiteto Manuel Sabater. Em 2002, foi tombado como patrimônio histórico pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico e Turístico do Estado.

Por se tratar de um prédio histórico, a sede remonta ao período da República Velha. Antes de servir como unidade da SP Escola de Teatro, o local já foi uma Escola Normal, chamada de Seção Feminina do Grupo Escolar do Braz, antigo sistema de ensino público para meninas, onde estudaram figuras como Hebe Camargo e Pagu. O edifício também já instalou o Instituto de Educação Padre Anchieta.

Nos anos de 2014 e 2015, a unidade do Brás foi restaurada e reaberta em 2017. Então, o edifício passou a abrigar as atividades pedagógicas e administrativas, além dos ateliês de Cenografia e Figurino e de Técnicas de Palco, as estruturas do circo, a biblioteca, o acervo Antônio Abjumra e um auditório com quase 160 lugares.

Beatriz Belintani, atriz e aluna da SP Escola de Teatro desde 2018-2019, destaca a importância singular da instituição em sua jornada artística. Com foco na linha de estudo de atuação, Beatriz revela que a escola foi crucial para a aplicação prática de suas qualidades teatrais, especialmente nas vertentes narrativa e performativa. Embora tenha ingressado na escola já com experiência profissional desde 2013, Beatriz reconhece a contribuição significativa da SP Escola de Teatro para aprimorar aspectos específicos do seu repertório. Contudo, aponta a necessidade de complementar o aprendizado teórico, buscando fundamento por conta própria. A atriz ressalta a oportunidade de conhecer e interagir com artistas que atuaram como formadores na escola.

Centro conta com uma biblioteca pública com vasto acervo

Quando a conversa se volta ao prédio histórico da sede Brás, Beatriz expressa sua admiração, mencionando a beleza após a restauração e destacando o valor da biblioteca acessível a todos os estudantes: “Eu adorava ter aula lá! Antigamente era um colégio feminino que, inclusive, acho que Pagu estudou! Além disso, tem uma biblioteca que todes têm acesso, o que é ótimo”. Beatriz relata que, além das aulas, o prédio histórico proporcionava uma atmosfera inspiradora, repleta de memórias culturais. Para ela, a SP Escola de Teatro não apenas molda artistas, mas também preserva e revitaliza a rica história teatral que o edifício carrega.

Evely Heloise: “tudo que a gente faz é política” 

A paulistana Evely Heloise passa suas tardes no curso de atuação oferecido pela SP Escola de Teatro, desde o início deste ano. Ao procurar um curso técnico da arte de atuação gratuito, Evely encontrou a SP Escola de Teatro – ou apenas “SP”, como é carinhosamente chamada pelos estudantes –  e se inscreveu. Após o processo seletivo que envolveu entrevistas, prova de redação e apresentação de um monólogo, a jovem pôde finalmente frequentar o prédio histórico que outrora foi da Escola Católica Padre Anchieta, apesar das críticas pessoais que carrega em razão de seu histórico religioso.

Engajada politicamente, Evely é diretora de cultura da União Municipal dos Estudantes Secundaristas e dá aulas na Fundação Casa voluntariamente. Na SP, a paulistana sente que pôde compreender o sentimento de coletividade que tanto ouviu falar a respeito do teatro coletivo — especialmente por se tratar de uma instituição de ensino pública. “A SP vem me ensinando que tudo está interligado e que não dá pra gente viver sozinho, principalmente na arte e no teatro de forma geral”, expõe a jovem de 21 anos. O curso de atuação passou a ocupar um lugar de grande importância em sua vida e Evely uniu duas de suas paixões — a política e a arte — e fundou o primeiro grêmio estudantil da instituição: o Grêmio José Mota. Mas essa não foi a primeira intersecção entre arte e política em sua vida. “A minha história com a arte sempre esteve muito interligada com a política”, explica a artista.

Evely teve seu primeiro contato com a quinta arte por meio dos cursos gratuitos livres oferecidos pela UMES. Esse início foi motivado por curiosidade e vontade de ocupar novos espaços. “Não esperava gostar tanto do teatro como eu gostei. Nunca me vi fazendo teatro, mas dentro da UMES vi essa oportunidade”, relata a jovem. A partir de então, Evely passou a fazer cursos de teatro, sendo um deles na Escola Livre de Teatro de Santo André, e apresentar peças em escolas públicas com o objetivo inspirar maior consciência política ao público. Foi conhecendo esse universo artístico, graças ao movimento estudantil, que Evely se apresentou pela primeira vez, na peça “Revolução da América do Sul” de Augusto Boal, momento em que se sentiu viva e que sua vida fazia todo o sentido. “Acho que foi essa peça, inclusive, que virou a chave da minha cabeça para ‘eu realmente quero fazer isso, eu quero seguir nesse caminho, eu quero fazer teatro para o povo, eu quero fazer o teatro político, eu quero construir teatro político’. Foi esse espetáculo que virou a minha cabeça, sem dúvida nenhuma”, conta a atriz.

Evely espera, uma vez formada no curso da SP Escola de Teatro, que possa levar arte e cultura ao povo, podendo realizar denúncias e utilizando a arte como ferramenta de luta popular. A artista conta com o apoio de familiares e amigos, cada qual à sua maneira, para seguir a carreira que escolheu, mas reconhece que sua maior dificuldade é a permanência na área, já que “a cultura no Brasil não é levada a sério como deveria”, sendo muitas vezes vista como mero passatempo ou hobby.

Diante de tudo o que disse Evely, não é surpresa seu interesse por seguir a carreira artística na atuação, mas especialmente como artista educadora, atuando na Fundação Casa de maneira mais aprofundada, em presídios e em casas que acolhem pessoas em situação de vulnerabilidade social — talvez até com um diploma em Psicologia para lhe agregar ainda mais, como explicou sobre seus planos futuros. Afinal de contas, Evely acredita que “tudo que a gente faz é política. Não tem como a gente desvincular o teatro da política. Não tem como a gente desvincular a cultura, a arte da política.”

 

 

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