Por Débora Moura e Tais Souza
Entre os dias 09 e 17 de novembro deste ano, a 17° edição do Festival de Circo de São Paulo acontece no Mundo do Circo, no Parque da Juventude, no distrito de Santana. Sob direção e produção da Associação Paulista dos Amigos da Arte (APAA), o Festival de Circo SP é um evento anual e nesta edição conta com mais de 40 atrações e 17 municípios representados. A entrada do público é gratuita, e as atrações são para todas as idades.
A primeira edição do Festival de Circo SP aconteceu na cidade de Limeira em 2008, e, desde então, tem impactado artistas, comerciantes, produtores e estudantes de maneira positiva. Cerca de 900 espetáculos e oficinas já foram realizados no festival, beneficiando 2.500 artistas, técnicos e produtores circenses envolvidos na produção e realização do evento.
O local que antes era ocupado por um dos maiores complexos penitenciários da América Latina, no centro da zona norte de São Paulo, hoje abriga o Mundo do Circo, espaço fixo para realizações de oficinas, exposições e espetáculos de arte circense. A cerimônia de inauguração foi realizada em dezembro de 2022, com viés religioso e ecumênico (junção de diversas crenças), em memória aos mortos durante o massacre do Carandiru, em 1992.
De acordo com a APAA, o objetivo do Festival de Circo é possibilitar aos grupos de artistas de circo do estado de São Paulo um momento de encontro. Dessa maneira, cria-se oportunidades de trocas de experiências entre eles, além de levar a arte circense ao público geral.
Possibilitando a ressignificação do espaço, e o tornando cada vez mais acessível, o Mundo do Circo foi criado a partir de uma iniciativa governamental da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, com gestão e produção da Organização Social Amigos da Arte. A criação do espaço se deu principalmente com o intuito de valorizar a experiência lúdica e afetiva do universo circense. Lá, ocorrem exposições e espetáculos oferecidos para todos os públicos com entrada gratuita. O espaço tem capacidade para receber até três mil pessoas simultaneamente e é composto pela Grande Lona, Lona Multiuso, Lona Exposição e Picadeiro a céu aberto.
A cultura circense, que surgiu no país no século 19, traz consigo uma grande representatividade da cultura popular, que reúne o público há décadas em diversas regiões do Brasil. Atualmente, o nordeste e o sudeste lideram como principais regiões com maiores números de circos, possuindo 248 unidades ao total, que servem como casa para a magia do circo.
Segundo a Fundação Nacional de Artes (Funarte), aproximadamente 10 mil pessoas seguem atuando em circos, sendo eles, de pequeno, médio e grande porte, de acordo com o levantamento realizado pela fundação em 2020. A Funarte, que é ligada ao Ministério da Cultura, é responsável por atuar em todo o território nacional, criando políticas públicas para o incentivo às artes visuais, música, dança, teatro e, principalmente, ao circo. A criação de iniciativas como essa partem do desejo de valorizar as artes que, em sua maioria, não são vistas para além dos espetáculos.
A professora de arte circense, Célia Borges, de 49 anos, cita a importância das iniciativas, mas questiona sua eficiência para quem pratica a arte circense: “A gente trabalhou muito para que ela fosse reconhecida pela população, conseguiu fazer com que fosse uma arte viabilizada para todos, mas mesmo que tenha bastante gente envolvida na área, a gente não tem verba suficiente. Não é nem para criar o espetáculo, porque às vezes o incentivo até ajuda. Só que ajudam e depois, como é que a gente faz? A gente precisa correr atrás disso, né?”. A artista também destaca a dificuldade de não possuir esse auxílio na prática: “O trabalho do artista às vezes chega mais a ser de produtor, do que de artista. Porque a gente tem que fazer o espetáculo, produzir o espetáculo… a gente tem que ter um produto pra vender e, depois dele pronto, a gente precisa correr atrás de vender, de fazer com que chegue ao público, que chegue nos lugares”, desabafa.
Pandemia de COVID-19 e o impacto no setor circense
O setor cultural também foi diretamente afetado pela pandemia, que causou a interrupção das atividades presenciais, que são o coração do circo graças a atividades como malabarismo, equilibrismo e a presença do grande público. Com as dificuldades enfrentadas pela falta de espetáculos, a comunidade circense apresentou demandas para que houvesse um espaço específico no qual as lonas fossem montadas, com a condição de que o aluguel do espaço não fosse cobrado. A demanda, que já era antiga no setor, buscava um espaço de fácil acesso para o público. Assim, a organização social Amigos da Arte, parceira do Governo do Estado de São Paulo em iniciativas culturais, recebeu da Secretaria de Cultura e Economia Criativa o pedido de pensar no projeto que buscaria possíveis locais para a sua execução. Foi assim que o grupo chegou ao Parque da Juventude, local simbólico da cidade de São Paulo e que é gerido pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA). “A cultura é algo que nos forma, que nos faz humanos, é a nossa forma de viver. Nosso desejo sempre foi que as pessoas saíssem do espaço diferente de como entraram. Importante é que cada experiência individual de cada visitante do Mundo do Circo seja marcante e transformadora, mesmo que simples”, ressaltou a ex-diretora geral da instituição, Danielle Nigromonte, quando perguntada sobre os benefícios da ocupação do circo no espaço.
Escola de circo
Com o acesso aos circos mais democratizado, o público que frequenta os espaços pode se interessar em fazer parte do mundo da arte circense. Pensando nisso, os próprios artistas de circo podem escolher passar os conhecimentos sobre a arte que praticam há tantos anos.
Alex Marinho é artista, empresário e diretor da escola Galpão do Circo, localizada na Vila Anglo Brasileira, zona oeste de São Paulo. O espaço surgiu a partir da sua necessidade de se manter como artista e, uma das possibilidades era, justamente, a criação de cursos para a prática da arte circense. “Me envolvi muito nessa ideia. Eu já tinha dado aulas de capoeira na academia, meu mestre me delegava muito nessa função, e eu gostei muito da experiência de ensinar. Então foi aí que começou essa coisa da escola”, diz.
Hoje, cerca de 300 alunos participam das atividades oferecidas pela escola, que possui cursos regulares para crianças, adolescentes, jovens e adultos, dentre eles, profissionais da área e pessoas que desejam praticar o circo como forma de lazer, proporcionando um local aberto para novos aprendizados.
“É uma arte que trabalha o corpo, que trabalha o contato, que traz muita alegria para as pessoas, tanto para os praticantes quanto para o público que assiste. É o que faz com que as pessoas que trabalham continuem trabalhando, porque não é pelo dinheiro. As pessoas estão fazendo isso por um projeto de vida, pelo prazer, pela alegria que isso traz internamente, por levar alegria para as outras pessoas”, diz Marinho.
Trazendo a memória…
Situado na Zona Norte do município de São Paulo, ao norte do Rio Tietê, o distrito de Santana é reconhecido por ser um importante território comercial do centro da cidade. Criado em 1898, quando ainda era chamado de Paz de Santana, o distrito foi um antigo núcleo populacional da Zona Norte do município, e seu aniversário é comemorado na mesma data de fundação do bairro de Santana, no dia 26 de julho de 1782.
Durante um longo período, o distrito permaneceu isolado do restante da capital paulistana devido às barreiras naturais como o Rio Tietê e a Serra da Cantareira, o que o levou a adquirir características rurais. Com a construção do Tramway Cantareira e da Ponte das Bandeiras no final do século XIX e início do século XX, respectivamente, o isolamento do distrito teve seu fim. Devido ao processo de industrialização e à riqueza gerada pelo ciclo do café em todo o estado, o distrito de Santana se desenvolveu rapidamente. Por isso, até hoje, Santana é um centro socioeconômico regional com direito à comércio, serviços e lazer para outros bairros da zona norte.
Juntamente com os distritos Tucuruvi e Mandaqui, Santana é atendido pela Subprefeitura de Santana/Tucuruvi. A região tem um índice de desenvolvimento humano (IDH) marcado em 0,925, o maior da zona norte da cidade. O Alto de Santana e o Jardim São Paulo são os bairros nobres. Além disso, o distrito abriga o Pavilhão do Anhembi, considerado um dos maiores centros de feiras e exposições de São Paulo; o Terminal Rodoviário do Tietê; o Aeroporto Campo de Marte, primeiro do município; e o Parque da Juventude, na antiga sede da Casa de Detenção de São Paulo, o histórico Carandiru.
Parque da Juventude: ressignificação e controvérsias
Inaugurado em 21 de setembro de 2003, o Parque da Juventude foi uma iniciativa governamental de substituir o Complexo Penitenciário do Carandiru, local historicamente marcado por sistemáticas violações aos direitos humanos, degradação urbana e violência. O centro de detenção foi, durante 46 anos, o maior da América Latina. Em outubro de 1992, ocorreu no local o que ficou conhecido como ‘Massacre do Carandiru’. Para conter uma rebelião, policiais entraram no presídio e perpetraram uma verdadeira chacina. De acordo com dados oficiais, 111 detentos morreram, o que levou à decisão de desativar o presídio.
Em 1999, o Governo do Estado de São Paulo promoveu um concurso público para a idealização do projeto arquitetônico de um parque no local. O espaço teve seu prédio principal demolido em 2002 e a inauguração oficial aconteceu em 2003, com três grandes áreas que existem ainda hoje: esportiva, central e institucional. A terceira e última fase do projeto foi concluída apenas quatro anos depois do início do projeto, em 2007.
Responsável por transformar a paisagem da Zona Norte de São Paulo, o Parque da Juventude é um espaço de lazer e entretenimento ao ar livre. Seus 240 mil metros quadrados de área verde estão localizado na Avenida Cruzeiro do Sul, no número 2.630, ao lado do metrô Carandiru. O parque também abriga a ETEC Parque da Juventude (prédio 1) e a ETEC de Artes (prédio 2), que são escolas estaduais de ensino médio com integração ao técnico. Além delas, o espaço também acolhe a Biblioteca de São Paulo, com mais de 35 mil títulos disponíveis para o público.
O Parque da Juventude conta com uma área esportiva de 35000m², que possui oito quadras poliesportivas, duas quadras de tênis, pistas de skate, ciclovia, playground, pista para caminhada e corrida e estações de ginástica, com uma área central de 95000m² de trilhas e caminhos ajardinados.
O lugar, que hoje é espaço de lazer, era ocupado por sete pavilhões da Casa de Detenção de São Paulo. O pavilhão 9 foi o local onde ocorreu a rebelião que levou ao massacre do Carandiru, sendo um dos prédios tombados por iniciativa da Prefeitura de São Paulo, que desde 2018 iniciou o processo de tombamento de edifícios e estruturas que pertenciam ao Complexo Penitenciário do Carandiru. Como forma de preservar a história do parque, foi criado o Espaço Memória Carandiru, que tem como objetivo preservar e difundir a memória dos ex-detentos e mortos durante o massacre. O museu fica no piso térreo da ETEC Parque da Juventude (prédio 1), onde antes havia algumas celas e a enfermaria da penitenciária. A arquitetura original está preservada, sendo possível ver objetos, utensílios criados pelos detentos e algumas fotos.
No dia dois de outubro deste ano, a 4ª Câmara de Direito Criminal declarou a extinção das penas de todos os policiais militares envolvidos no massacre, e que já haviam sido condenados em primeira instância há mais de 10 anos, após o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo considerar constitucional o indulto de Natal concedido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aos PM’s. Tal decisão deixa um sentimento de injustiça e dúvidas se de fato a lei é cumprida no país.
Mesmo com a tentativa de apagamento da história após a suspensão por tempo indeterminado das atividades do museu em outubro de 2023, aos 31 anos do massacre, o Espaço Memória Carandiru segue firme na tentativa de continuar preservando a história, retornando suas atividades em 06 de outubro de 2024. Graças a luta de sobreviventes do Carandiru, uma placa foi instalada no ano de 2022 em memória às 111 vítimas: “Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”.