Asfaltadas de medo

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Isabela Gonçalves

Entre tecidos, alfinetes, linhas, fita métrica e tesouras, há uma alma trabalhadora consumida pelo medo que é trabalhar no centro de São Paulo. Atrás da máquina de costura, há Edina Paixão. 70 anos. Carrega nas costas longos anos de trabalho na região central da maior capital do país. Carrega a apreensão todos os dias ao acordar para trabalhar numa região tomada pelo perigo das ruas. E carrega apenas em sua memória a época em que o centro era seguro.

Milhares de vidas cruzam as ruas da República por dia, nem que seja por apenas um minuto. Mas, mesmo que apenas nesse minuto, seus corpos são tomados pelo sentimento de insegurança. O sentimento de estarem à frente do perigo a qualquer passo dado. Quatro minutos separam um assalto ao outro. Dezesseis vezes por hora uma conquista com trabalho duro vai embora de seu dono. São dados levantados pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP).

A galeria é um caminho em forma de U. O cantinho da Edina fica nos fundos. Um pequeno quadrado que abriga grandes sonhos, mas também grandes medos. Fica atrás de tudo. Escondido. Mas pertence a uma das mais antigas presenças que a galeria já teve. Embora a distância da rua, o coração de Edina ainda fica apreensivo com a alta criminalidade do centro.

“É a falta de atividades, esportes. Não tem o que fazer, eles vão roubar”, diz Edina. O papel do governo é proporcionar as mesmas condições de estudo a cada adolescente, desde sua infância. E manter o mínimo de qualidade. Aquelas mãos que transformam um simples pedaço de pano em uma vestimenta, são as mesmas mãos que seguram forte a bolsa para não serem mais uma das centenas de vítimas da criminalidade do centro de São Paulo. Criminalidade que, cada vez mais, é protagonizada por gangues de crianças e adolescentes. Jovens com futuros promissores perdidos pela falta de investimento. Pela falta de oportunidades. 

O que era parte do cotidiano, passou a ser um medo. Sair para caminhar virou chance de sofrer um ato de violência. Moradores do centro passaram a preferir o conforto de sua casa a respirar ar puro. Comerciantes deixam umas das regiões mais movimentadas com a insegurança no peito. O primeiro bimestre de 2022 e o de 2023 se distinguem em 35,7% no aumento de furtos e 18,5% no de roubos. É o que mostra os números dos boletins de ocorrência registrados nas dez delegacias do centro. São 11,6 mil de furtos denunciados, e 4,9 mil roubos em apenas dois meses de 2023. 

Mas o cenário dessa peça nem sempre foi esse. Maio de 2022. A dispersão da cracolândia. Uma série de ações do governo de São Paulo resultaram na tomada da República pelos usuários de drogas. Disparo nos índices de criminalidade. Eram cerca de 2 mil dependentes químicos que se dividiram em “pequenas cracolândias” pelos bairros do centro de São Paulo. 

A alma trabalhadora atrás da máquina de costura cobra as autoridades. Cobra uma maior participação dos profissionais de segurança nas ruas. A SSP-SP afirma ter ampliado a presença policial na região, além de reforçar a prisão de 43 delinquentes em flagrante. 

“É um medo que está em todo lugar, né?”. Edina lembra que a alta na criminalidade segue sendo uma das maiores preocupações em qualquer região. Não apenas nos lugares afetados pela dispersão da Cracolândia, ou lugares com menos rondas policiais, mas sim em todo lugar que há gente distraída para roubar. Mas os olhos que acompanharam o declínio na segurança da região central da maior capital do país, hoje se atentam ao caminhar nas ruas da República asfaltadas de medo. 

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