Só Maria mesmo

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Maria Barbosa de Souza, 49, é há 12 anos dona de uma banca de jornais e revistas localizada na rua Solon, região do Bom Retiro mais afastada dos comércios e mais próxima a escolas, casinhas e pensões. Pernambucana, migrou com a mãe e três irmãs em 1988 de Garanhuns para São Paulo, cidade onde construiu vida.

Não é senhora, nem dona, nem tia – é só Maria mesmo. E assim a chamam aqueles que passam por sua banca: o senhor de bengala que compra o tradicional jornal; uma moça para pedir informação e o gari para fazer uma pausa do calor de 38 graus, apenas por uns instantes; as pessoas que transitam e a cumprimentam com o constante “boa tarde, Maria!”.

Maria é viúva há 12 anos. No início dos anos dois mil, casou-se com o emigrante português Manuel Antônio, conhecido como Teixeira. Seu casamento durou 18 anos. A dona da banca de jornal é mãe de três filhos: Gustavo, Keké e Miguel, todos maiores. Maria e Teixeira se conheceram na praia. Quando isso aconteceu, Teixeira era divorciado e tinha dois filhos, um de 6  e outro de 4 anos. Maria mantém uma relação afetuosa com seus enteados até hoje.Maria herdou o ponto da banca de seu falecido marido, que por sua vez o comprou de uma senhora boliviana que havia trabalhado ali por 10 anos. Teixeira era muito querido no bairro. Tinha especial relação com os outros portugueses que moravam no Bom Retiro. O pai dos três filhos de Maria não ficou muito tempo responsável pelo trabalho na banca, pois faleceu vítima de um ataque cardíaco.

A banca de jornal e revista, objeto meio antigo ocupando um espaço entre as ruas mais tranquilas, carrega certa melancolia, uma nostalgia permanente. Maria reconhece seu negócio como uma coisa fora do tempo. Só continua indo para manter o ponto. Recorda dos tempos de glória do passado, da movimentação intensa e constante dos consumidores, da banca como um coração vivo do cotidiano do bairro.

A lembrança mais marcante de Maria não se vincula a nenhum incidente específico, mas sim ao vagar das relações cotidianas e do afeto que só é possível construir pela convivência nos anos de rotina. Gente nasceu, gente morreu, gente chegou, gente partiu. As crianças que antes perguntavam se os gibis tinham chegado hoje são adultas e mal passam pelo ponto, assim como as crianças atuais.

O ponto sustentado por Maria é um registro das várias memórias do Bom Retiro, é uma local de resistência à fome voraz do comércio nas áreas comerciais e ao interesse da prefeitura da cidade de hegemonizar a diversidade e apagar o tempo.  Maria da banca de jornal e revistas, é um lembrete aos moradores mais antigos das coisas corriqueiras, o cotidiano das escolas, pensões e casinhas que resistem à gentrificação.

 

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