A história de quem viu o distrito do Jaguaré crescer

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Em meio aos desenvolvimentos e mudanças do bairro, um observador continua sua jornada

O distrito do Jaguaré, situado no extremo da zona oeste de São Paulo, tem desde a sua fundação uma aura empreendedora. Projetado pelo engenheiro Henrique Dumont, sobrinho e afilhado do inventor do avião, a região foi pensada para assentar os imigrantes europeus e seu novo estilo de vida comercial. No entanto, o fluxo estrangeiro não foi o suficiente para preencher as novas lacunas causadas pelo crescimento do distrito, que atualmente tem suas fundações ancoradas na cultura nordestina e abriga histórias como a de José Nilton Nascimento, 57, que chegou há quatro décadas e meia.

“Tuta”, como é conhecido, se mudou há 45 anos para a Viela do Macaco, uma das principais vielas do bairro Vila Nova Jaguaré, e relata uma das diferenças mais notáveis nesse período: “Tiveram muitas reformas. Quando eu cheguei aqui era praticamente uma comunidade, cheia de barracos, só chegar e construir”.

Dono de um bar no começo da viela, Tuta chama esse local de “prisão”. Ele lamenta ter perdido grande parte da infância de seus filhos, com destaque para o caçula, Wesley, 19, que sofre de síndrome de Down. “Deus manda os maiores desafios para as melhores pessoas, meu filho me fez um homem melhor do que eu poderia imaginar”. 

O “Bar do Tuta” é um típico boteco de bairro, lá se vende tudo, de absorventes a miojo, sem contar as obrigatórias bebidas. Dentro do local, temos caixas de sons presas ao passado. Basicamente, não se toca nada que foi lançado após os anos 90, com raras exceções a sertanejos como Eduardo Costa.

É verdade que o estabelecimento foi aberto por opção própria e, que para boa parte de seus clientes, a ideia de ser dono de um bar poderia ser uma maravilha, mas para Tuta não passa de uma prisão, ficou acorrentado àquele lugar, perdeu o crescimento de seus dois filhos, não tinha tempo livre também para sua esposa. “Dava dinheiro para minha mulher e pedia para levar meus filhos ao shopping. Comecei a passar mais tempo depois que cresceram”, disse.

José Nilton é o sexto entre 13 irmãos, se mudou para o Jaguaré ainda no fim dos anos 70, voltou algumas vezes para ver seus pais, porém, não consegue se ver em outro lugar que não seja onde mora. Antes de ter se acorrentado a seu bar, José vivia de buscar mercadorias na Argentina e no Paraguai e revender no Brasil. Foram oito anos nessa toada até se acostumar a ver marmanjos de sua idade em frangalhos diariamente.

Tuta, um homem com cicatrizes tanto físicas quanto emocionais, aos sete anos de idade, brincando de faca com seu irmão, acabou perdendo a visão de um de seus olhos. Trata com leveza esse episódio: “Brincadeira de criança, poderia acontecer a qualquer momento, a meninada de hoje nunca vai saber o que é isso. Os tempos mudaram”, comentou.

Os tempos mudaram, os moradores também. Tuta continua na viela do macaco, tentando tirar proveito de sua prisão: “Bebo também, nem estaria aqui se não fizesse isso”. E assim ele vai, tentando ser o melhor que puder.

José Nilton “Tuta”, 57 anos.

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