“Pelas dificuldades da vida, vim parar em São Paulo”

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Em meio às inumeras transformações, há uma história em São Paulo que contrasta com as mudanças urbanas e sociais da cidade

No livro “Jardim Miriam: 50 Anos,” escrito pelo Padre José Dillonna, durante a década de 1950, o bairro do Jardim Miriam se apresentava como um lugar desprovido de habitações. Era uma área praticamente vazia, com pequenas chácaras. A iluminação pública era fornecida por postes de eucalipto, e o desenvolvimento futuro estava destinado a resultar no desmatamento das áreas verdes próximas, à medida que o progresso avançava.

Já em 2010, o Jardim Miriam se tornou o bairro mais proeminente no distrito da Cidade Ademar. De acordo com o censo demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o bairro abrigava aproximadamente 100 mil residentes, dos quais 20 mil moravam nas favelas.

Além de toda essa problemática, segundo os dados de Segurança Pública divulgados pelo governo do estado em 2014, no mês de novembro daquele período, Jardim Miriam testemunhou o maior volume de assaltos, com um total de 431 casos de roubo registrados apenas na região sul da cidade. Batendo os números de outros bairros de São Paulo que são conhecidos pelo alto índice de criminalidade. Essas estatísticas são apenas uma continuidade do que era visto na década passada. Segundo dados do SIM (Sistema de Informações Sobre Mortalidade), entre os anos de 1979 e 1995 houve um crescimento abrupto de roubos e homicídios no distrito.

Apesar das diversas desvantagens enfrentadas devido à crescente gentrificação na cidade de São Paulo, resultando no alto número de pessoas em regiões periféricas, o Jardim Miriam experimentou um aumento notável em seu desenvolvimento, impulsionado por dois fatores-chave.

O primeiro deles está relacionado à comunidade de baixa renda que se estabeleceu no bairro e começou a impulsionar o crescimento do comércio local. O segundo fator refere-se à população que anteriormente considerava o Jardim Miriam apenas como um local para residir sem uma forte presença ativa na comunidade.

Com o passar dos anos, muitos moradores vieram e muitos se foram, e nesse meio tempo o bairro esteve sempre em constante mudança. Antes, o distrito que era composto basicamente por casas de madeira, passou a se estender verticalmente e aos poucos tem começado a cobrir o céu. E foi nesse cenário que a aposentada e dona de casa, Dulcinéa da Silva, 80 anos, experienciou a mudança do bairro.

Residente há 50 anos, chegou na cidade de São Paulo em 1973. Dulcinéa nasceu na cidade de Santo Antônio do Amparo, interior de Minas Gerais. Um local bonançoso, de vasta vegetação e paisagem urbana simples. Entretanto, durante a década de 70, Dulcinéa se viu forçada a mudar do seu local de origem pela falta de emprego na região.

“Pelas dificuldades da vida, vim parar em São Paulo. Na minha cidade não havia trabalho, então com um filho de um ano, eu e meu marido decidimos vir para São Paulo.”

Assim que chegaram na capital, se depararam com uma nova perspectiva, enquanto a família de Dulcinéa se habituava com a cidade, novas dificuldades vieram.

“Pela dificuldade financeira tivemos que morar na casa de uma irmã, viemos casados primeiro para a Rua José Getúlio na Liberdade, travessa com a Tamandaré.”

No começo a sorte os favoreceu e suas vidas se modificaram. Por estarem morando na Liberdade, um local central da cidade, próximo da Bela Vista, Sé, República e Consolação. A localização privilegiada fazia com que a família tivesse sempre acesso a mercados, padarias, lazer e cultura de qualidade.

A agitação do centro daquela época nem se compara aos dias de hoje. Dulcinéa relembra que naquele tempo ela conseguia passear com seu até então primeiro filho. Por mais que trabalhasse como empregada doméstica em um período onde não havia leis trabalhistas para essa classe. Pelo acesso monetário que não tinha antes, Dulcinéa conseguia aproveitar seu pouco tempo livre com o filho. Infelizmente, a sorte que os beneficiou durou pouco, e de uma hora para outra eles tiveram que sair do centro.

“O Jardim Miriam foi um achado do acaso, tivemos que sair pois havia uma previsão do metrô que estava sendo construído até então, passar na nossa casa, então pela incerteza tivemos que sair. E buscando pela cidade um local que fosse acessível para que eu, meu marido e nosso filho pudéssemos morar, nos estabelecemos no Jardim Miriam, onde moramos há 50 anos.”

Colocando-se na perspectiva da época, comparando o bairro da Liberdade com o Jardim Miriam, havia uma disparidade gigantesca na qualidade dos recursos oferecidos em ambas localidades. Por mais que o Jardim Miriam esteja bem localizado, fazendo divisa entre São Paulo e o ABC Paulista, ligando o grande centro a um dos principais polos industriais da capital. O completo abandono urbano fez com que essa área estivesse sempre atrás em relação ao entorno.

Esse descaso tem como reflexo os dados obtidos em 2015 pelo SMDU (Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento), no qual foi registrado um baixo número de empregos em relação ao número de habitantes na região, gerando uma defasagem alta com relação à quantidade de serviços formais, aumentando ainda mais a informalidade no território.

Outro ponto que reforça essa discrepância está relacionado ao fato do Bairro do Jardim Miriam só receber sua primeira Unidade Básica de Saúde em 2006, 56 anos após os primeiros passos de constituição do bairro. Seis meses após a inauguração da Primeira Igreja Bíblica em Jardim Miriam, no ano de 1973, Dulcinéa junto de seu marido e filho chegam ao lugar que faria parte do resto de sua história.

“Assim que chegamos, minha primeira impressão sobre o bairro foi horrível, pois não se comparava ao local em que eu morava antes. Lá tinha de tudo, mercado, igreja, farmácia, padaria. Era um local zelado, diferente do Jardim Miriam que faltava até mesmo asfalto nas ruas, o comércio então, nem se fala. Faltava tudo, não havia água encanada.”

Após morar de aluguel em São Paulo, com muita luta, ela e seu marido conseguiram construir um lar para chamar de seu. Mulher convicta, certa de que tudo daria certo, manteve a fé sempre ao seu lado. A maior parte da infância de quatro dos seus cinco filhos aconteceu no Jardim Miriam, e apesar dos desafios no acesso a certas coisas, em suas palavras, eles conseguiram desfrutar de uma infância feliz em um bairro que evoluiu aos poucos.

“É muito diferente de quando eu cheguei há 50 anos atrás, hoje em dia o bairro é maravilhoso! Tem muito mercado, banco, posto de saúde, escolas, ruas asfaltadas, comércios”.

Hoje, o bairro do Jardim Miriam não se assemelha ao seu início. Houve diversas mudanças significativas no local, escolas e postos de saúde foram inaugurados. Mesmo que ainda incipiente, o bairro conta com um pequeno comércio local, tendo recursos básicos para os moradores do bairro, como farmácias, padarias, supermercados, lojas de grandes marcas entre outros.

A verticalização descrita no início também é algo a se apontar, as clássicas casas laranjas de tijolo sem reboco ainda preenchem nossa visão, mas aos poucos os moradores notam os impactos da especulação imobiliária, com novos edifícios sendo construídos onde antigamente era mato.

“Nós conseguimos fazer a maior parte das nossas coisas do dia a dia aqui mesmo, sem precisar se deslocar para o centro. Mas vemos agora uma grande diferença na paisagem também, não dá nem para comparar”.

Dulcinéa da Silva, 80 anos.

 

 

 

 

 

 

 

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