Início Grande Reportagem A arte e os dramas convivem no retiro nem tão bom

A arte e os dramas convivem no retiro nem tão bom

0
65

Os alunos do curso de Jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie passaram semanas visitando e fazendo reportagens no Bairro do Bom Retiro, próximo ao centro da capital paulista. O desafio era mostrar os movimentos e problemas do bairro. Veja abaixo o resultado

Oficina é um refúgio cultural do bairrro

A Oficina Cultural Oswald de Andrade é  um refúgio artístico, oferecendo programação diversificada e um ambiente acolhedor desde 1986.

Construído em alvenaria de tijolos e com cobertura em telha francesa, no coração d agitada cidade de São Paulo, ergue-se um refúgio cultural que encanta e inspira aqueles que têm o privilégio de adentrar suas portas: a Oficina Cultural Oswald de Andrade. Reconhecida pelos moradores do Bom Retiro por sua programação e ambiente acolhedor.

A Oficina Cultural Oswald de Andrade, a primeira instituição criada pela Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, teve sua inauguração em 1986, sob o nome de Oficinas Culturais Três Rios, localizada no bairro do Bom Retiro. Em 1990, em homenagem ao centenário de nascimento do renomado escritor modernista Oswald de Andrade, um dos expoentes da literatura brasileira como romancista, poeta, dramaturgo, ensaísta e jornalista, a instituição foi rebatizada.

Atualmente, a instituição se estabeleceu como um ponto de encontro para aqueles que desejam aproveitar um passeio cultural, conforme relatado pelo artista de rua, Marcos Araújo Barbosa, 33 anos.

“É como se fosse um lar para a expressão artística”, expressa Marcos, um apaixonado por música e artes visuais. Em entrevista, Marcos destacou não apenas a variedade da programação, mas também a atmosfera inclusiva do espaço. “É um local onde você se sente livre para ser quem é, para criar, aprender e compartilhar. Todos são bem-vindos, independentemente de seu nível de conhecimento ou experiência artística.”

Desde sua fundação, a Oficina Cultural Oswald de Andrade tem desempenhado um papel fundamental na formação de recursos humanos para a cultura. Suas atividades abrangem diversas áreas, como artes plásticas, cinema, dança, design, fotografia, história em quadrinhos, literatura, música, rádio, teatro e vídeo, direcionadas a jovens profissionais.

A Oficina foi pioneira na implementação de uma nova metodologia de formação cultural, concretizando propostas de programações que envolvem artistas, técnicos e pesquisadores por meio de cursos, oficinas, workshops, seminários e núcleos de produção.

O impacto causado pelo espaço influencia não apenas a vida dos frequentadores, mas também o cenário cultural da cidade. Em meio à agitação da metrópole, esse espaço se destaca como um oásis cultural, impulsionando a paixão pelas artes e celebrando a diversidade cultural que torna São Paulo única. Assim como Marcos, muitos encontram na Oficina Cultural Oswald de Andrade não apenas um local para aprender, mas um lar para suas expressões artísticas.

O outro lado do Bom Retiro

É impossível não notar e fazer vista grossa para a situação dos moradores de rua quando se visita ao bairro do Bom retiro. Reinaldo Pereira, de 56 anos, nos deu uma oportunidade de saber um pouco sobre sua história e de como lida com o dia a dia nas ruas de São Paulo

Reinaldo disse que entrou nessa situação por meio do uso de drogas, mais especificamente pelo crack. “ O vício consome você, vai vendendo tudo que vê pela frente”. Também comentou que foi assim que perdeu a casa onde morava, dizendo que foi ali que percebeu no estado que estava, mas sabia que não tinha mais volta.

Falou sobre as tentativas de voltar a trabalhar, mas que nenhuma deu certo: “É muito difícil aceitarem, todos julgam de todas as formas, por isso parei de tentar” Afirma.

Em tom de brincadeira e de forma descontraída, Reinaldo disse que seu sonho era entrar em uma máquina do tempo e voltar atrás em todas as decisões que fez no seu passado. “Mudaria tudo, tudo mesmo, penso todos os dias nisso”.

Também comentou de como se sente e de que forma as pessoas tratam ele no dia a dia. Reinaldo disse que se acostumou em ser uma pessoa triste e sem expectativa de mudança, pois acha muito difícil a situação dele mudar e conseguir viver uma vida “normal”.

“As pessoas fingem que você não existe, é como se eu não estivesse lá”. Reinaldo contou que se sente humilhado todos os dias, sendo pedindo dinheiro, comida, ou qualquer tipo de ajuda.

O tratamento das pessoas em relação aos moradores de rua, segundo Reinaldo, é algo que surpreende e assusta ele. “Existem pessoas boas que me ajudam as vezes, mas muitas vezes xingam, pisam e até roubar me roubam” Conta.

Há 15 anos morando nas ruas de Bom Retiro, isso é só uma parte da luta e da história de Reinaldo Pereira, que tenta sobreviver e viver com todas essas dificuldades que aparecem no cotidiano dele, e de tantos outros moradores de rua.

Parque do Gato busca a preservação cultural

Residentes do Parque do Gato se unem em prol da preservação cultural e do planejamento inclusivo para o Bom Retiro

Maria das Graças Silva, 78, aposentada, percorre as ruas do Bom Retiro e sempre se surpreende com as mudanças do bairro. Criada no bairro desde criança, Maria não se importa muito com as disputas entre moradores que ocorrem atualmente, se importando mais com os momentos que viveu durante a infância.

“Por morar no Bom Retiro, lembro sempre dos amigos de diferentes nacionalidades que fiz e dos dias em que brincava no Parque da Luz”, disse Maria.

Residente do Parque do Gato, uma favela situada ao norte do bairro do Bom Retiro, Maria viu o local onde mora se transformar ao longo dos anos e lembra das histórias que ouvia quando criança sobre aquele lugar. O espaço que, em 1895, foi uma fazenda de escravos, hoje dá lugar à COHAB Parque do Gato, com moradia pública e áreas de lazer para as pessoas que ali residem, além de movimentos como o ‘Mulheres da Luz’, que visam ajudar mulheres que estão saindo da prostituição.

Maria não demonstra preocupação com as questões relacionadas à diversidade cultural do bairro, uma visão compartilhada pelo morador boliviano José Quinteros, de 35 anos, também residente no Parque do Gato.

No entanto, Quinteros destaca que as disputas em torno da multiculturalidade e a negligência da prefeitura em relação aos moradores do bairro geram conflitos constantes diante das mudanças propostas pelas autoridades municipais.

José destaca que a luta não é apenas contra o projeto ‘Koreatown’, mas sim por um plano de desenvolvimento que seja inclusivo e respeite as demandas de todos os habitantes do Bom Retiro. Com o apoio de movimentos sociais, ativistas e líderes comunitários, os moradores têm se organizado para apresentar propostas que contemplem a valorização das culturas presentes no bairro, a melhoria das condições de vida, o acesso a serviços básicos e a preservação das áreas históricas.

Enquanto a discussão segue em andamento, outros residentes e organizações continuam a promover encontros, debates e ações comunitárias para garantir que a voz dos moradores seja ouvida nas decisões que impactam diretamente suas vidas.

Moradora diz que saúde pública melhorou

Lourdes Ester Antunes, 24 anos.

Em um distrito maior do que a República de Malta, localizado na costa do Norte da África, atualmente, há uma única Unidade Básica de Saúde (UBS), responsável pelo atendimento de 39.000 residentes no bairro do Bom Retiro. Entretanto, devido à baixa cobertura de saúde no bairro, houve um crescimento em alguns dados diretamente relacionados à saúde no Bom Retiro.

O tempo médio para consultas na Atenção Básica no bairro do Bom Retiro caiu de 42% para 21% nos anos de 2019 e 2020. Já o número de óbitos por causas externas (acidentes e violências), por cem mil habitantes, diminuiu durante esse mesmo período, indo de 5,9% em 2019 para 2,12%. A mortalidade infantil, proporção de óbitos de crianças menores de um ano em cada mil crianças nascidas, representa 8% das mortes do bairro no ano.

Porém, na percepção geral de algumas pessoas que utilizam a Unidade Básica de Saúde, mesmo sendo um único lugar para o atendimento de centenas de pessoas ao longo dos dias, o atendimento prestado pelos funcionários e a infraestrutura são suficientes para um atendimento de boa qualidade.

Morando há 18 anos no bairro do Bom Retiro, Lourdes Ester Antunes, 24 anos, desempregada, mãe de uma criança de 3 anos, disse que a qualidade do tratamento é tão boa quanto a que ela tinha no Paraguai. “O atendimento que eu tenho hoje aqui nesse lugar é muito bom. A primeira vez que precisei utilizar aqui foi durante minha gravidez. Os médicos são muito bons e atenciosos, e não senti dificuldades quanto ao atendimento”, disse Lourdes.

Só Maria mesmo

Maria Barbosa de Souza, 49, é há 12 anos dona de uma banca de jornais e revistas localizada na rua Solon, região do Bom Retiro mais afastada dos comércios e mais próxima a escolas, casinhas e pensões. Pernambucana, migrou com a mãe e três irmãs em 1988 de Garanhuns para São Paulo, cidade onde construiu vida.

Não é senhora, nem dona, nem tia – é só Maria mesmo. E assim a chamam aqueles que passam por sua banca: o senhor de bengala que compra o tradicional jornal; uma moça para pedir informação e o gari para fazer uma pausa do calor de 38 graus, apenas por uns instantes; as pessoas que transitam e a cumprimentam com o constante “boa tarde, Maria!”.

Maria é viúva há 12 anos. No início dos anos dois mil, casou-se com o emigrante português Manuel Antônio, conhecido como Teixeira. Seu casamento durou 18 anos. A dona da banca de jornal é mãe de três filhos: Gustavo, Keké e Miguel, todos maiores. Maria e Teixeira se conheceram na praia. Quando isso aconteceu, Teixeira era divorciado e tinha dois filhos, um de 6  e outro de 4 anos. Maria mantém uma relação afetuosa com seus enteados até hoje.

Maria herdou o ponto da banca de seu falecido marido, que por sua vez o comprou de uma senhora boliviana que havia trabalhado ali por 10 anos. Teixeira era muito querido no bairro. Tinha especial relação com os outros portugueses que moravam no Bom Retiro. O pai dos três filhos de Maria não ficou muito tempo responsável pelo trabalho na banca, pois faleceu vítima de um ataque cardíaco.

A banca de jornal e revista, objeto meio antigo ocupando um espaço entre as ruas mais tranquilas, carrega certa melancolia, uma nostalgia permanente. Maria reconhece seu negócio como uma coisa fora do tempo. Só continua indo para manter o ponto. Recorda dos tempos de glória do passado, da movimentação intensa e constante dos consumidores, da banca como um coração vivo do cotidiano do bairro.

A lembrança mais marcante de Maria não se vincula a nenhum incidente específico, mas sim ao vagar das relações cotidianas e do afeto que só é possível construir pela convivência nos anos de rotina. Gente nasceu, gente morreu, gente chegou, gente partiu. As crianças que antes perguntavam se os gibis tinham chegado hoje são adultas e mal passam pelo ponto, assim como as crianças atuais.

O ponto sustentado por Maria é um registro das várias memórias do Bom Retiro, é uma local de resistência à fome voraz do comércio nas áreas comerciais e ao interesse da prefeitura da cidade de hegemonizar a diversidade e apagar o tempo.  Maria da banca de jornal e revistas, é um lembrete aos moradores mais antigos das coisas corriqueiras, o cotidiano das escolas, pensões e casinhas que resistem à gentrificação.

Costureira dá novos passos e relembra o passado

Marta entrou no edifício antigo. Tinha compromisso marcado no sábado. Iria encontrar os netos. Mas parou para acompanhar o sarau de dança urbana que aconteceu no pátio da Estação da Luz. Não só observar, como muitas pessoas que estavam indo e vindo, a costureira adiou um pouco o horário. Aproximou-se do grupo de dançarinos e arriscou alguns passos leves e discretos, ainda com a bolsa no ombro, ao som de Get Lucy do Daft Punk.

Aos 65 anos, Marta Oliveira é aposentada, mas passou boa parte de sua vida na região da Rua Três Rios. Lá, mantinha uma pequena loja de costura dentro de uma galeria, próxima ao agito do hoje popular comércio de roupas. Há mais de 20 anos, realiza reparos em roupas e costura sob encomenda vestidos de festa, como os bordados de muitas formaturas. Ela comenta sobre a mudança no comércio ao longo dos anos: “Tinha muitos pedidos antes, eu atendo gente de todo lugar aqui na região. Precisava de ajuda com o volume. Hoje, não.” Foi assim que criaram seus dois filhos, Edgar e Sara, nascidos e criados no bairro, e suas três netas, Liz Maria, Aurora e Mariana.

Marta veio morar no Bom Retiro por conta de seu falecido marido, o imigrante Guilherme Salazar Quisbert. Naquela época, tinha um pequeno comércio onde vendia de tudo um pouco. Guilherme faleceu há mais de dez anos. A viúva conta que o marido, antes de morrer, sonhava em escrever um livro com a história de vida e todas as dificuldades que passaram antes de se mudar para o bairro e casar: “Sempre que algum vizinho precisava de ajuda, ele estava lá, sabe? Conhecia todo mundo”, completa.

No caminho para pegar o metrô, a mãe de Edgar e Sara não passou pela Praça Coronel Fernandes Prestes. E por não participar da comunidade coreana do Bom Retiro, Maria, que tem contato com a cultura latina do bairro, não fazia ideia sobre o 1° Festival de Kimchi acontecendo a alguns metros do sarau na Luz.

Em 2023 comemoramos 60 anos de migração coreana no Brasil. O vereador Aurélio Nomura, apoiador da comunidade, conseguiu aprovar a lei para criar o Dia do Kimchi em 22 de novembro. O 1º Festival do Kimchi em São Paulo aconteceu ao mesmo tempo que o evento de dança na estação. No sábado, 18 de novembro, na praça em frente ao Arquivo Histórico Municipal.

No palco, os grupos de jovens dançando K-pop, protegidos da temperatura em 38°C, e o público espalhado pela praça coberta de árvores, algumas pessoas pedindo o prato tradicional coreano, uma espécie de salada, nas barracas de comida da feira gastronômica.

Projeto de boxe atende mais de 300 jovens

Esporte é ministrado voluntariamente durante a semana

O projeto “Boxe Autônomo”, localizado na Rua Três Rios 252, mesmo endereço da “Casa do Povo”, centro cultural do Bom Retiro, cumpre hoje um papel que as políticas públicas do governo de São Paulo deveriam, atendendo cerca de 330 alunos do bairro entre os dias de segunda à quinta-feira.

As aulas são em sua maioria ministradas pelo professor Michel de Paula Soares, 31, doutorando em antropologia pela Universidade de São Paulo e professor de boxe e residente do bairro desde seu nascimento.

“Começamos o projeto com o intuito de reunir amigos para preencher nosso tempo ocioso. Com o andar da carruagem, redescobrimos o poder de transformação e mobilização que o esporte pode ter na vida de um jovem periférico”, afirmou o professor.

Mesmo com pouco investimento a paixão pelo esporte e os talentos continuam a florescer aqui em nosso país e, mesmo que boa parte dos jovens periféricos comecem a se envolver com o esporte visando a ascensão financeira, o projeto “Boxe Autônomo” tem o objetivo de atender todas as demandas de seus alunos, que, claro, pertencem a diversas faixas etárias.

Dentro desta realidade, Michel de Paula Soares, ou Professor Michel como mais é conhecido, populariza o boxe para o Bom Retiro. Morador da comunidade há mais de 30 anos, o pugilista há mais de uma década leva os ensinamentos da arte marcial para a comunidade do centro da cidade.

“Por uma certa ‘ignorância’ de quem vê de fora, pode até parecer que somos bárbaros, que juntamos adultos para brigar ou incentivamos garotos a fazer isso, mas a grande verdade é que o boxe ensina muito sobre disciplina e respeito”, diz.

População teme aproximação da cracolândia

Mesmo aparecendo entre indicativos negativos de pequenos delitos, oficiais da segurança pública não veem situação alarmante

Em julho deste ano, o governador do estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas, confirmou a intenção de realocar a cracolândia para as imediações do distrito do Bom Retiro, na região central norte da capital paulista. O local, que já é conhecido pelos índices de furtos, enfrenta novo cenário que pode agravar a situação.

Detentor de uma herança patrimonial, o bairro do Bom Retiro tem como o motor principal de sua economia o comércio de roupas. Desde o final do século XIX, o bairro é conhecido por aderir às culturas estrangeiras, sendo que primeiro chegaram os imigrantes italianos, depois os judeus e, atualmente, a comunidade sul-coreana é dominante no distrito.

Por também ser conhecido como um bairro comercial, o Bom Retiro atrai alguns delitos. De acordo com dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, houve, em 2022, 3.818 furtos no local, além de 1.100 roubos. O cabo da polícia militar Thiago Camargo, 41, corroborou com os dados ao comentar: “Nossa principal preocupação aqui no bairro são com os furtos, principalmente se tratando de comércio”. Próximo à estação da Luz, o COPOM (Centro de Operações da Polícia Militar do Estado de São Paulo), é quem lida com a maior parte dessas denúncias.

Segundo levantamento do portal R7, nos dois primeiros meses de 2023, o Bom Retiro figurou entre os 10 bairros com o maior número de furtos de celular. O mesmo estudo aponta que 40% desses crimes ocorreram durante o período da tarde, em que os moradores estão retornando para casa.

Com a mudança de localidade da cracolândia, hoje já se pode registrar um aumento significativo de pessoas em situação de rua. O medo da população se deve à imprevisibilidade das ações dos realocados no cotidiano do lugar. Em contrapartida, mesmo com as aproximações recentes dos usuários de drogas, o soldado Camilo Dantas, 29, afirma que o quadro de pequenos delitos ainda não teve alteração, mas deixa um alerta: “Por enquanto está tranquilo, principalmente aqui no interior do Bom Retiro, mas ao chegar próximo das estações, fica mais complicado”.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui